Já dizia o Jim Morrison, e décadas depois ainda se confirma: o pessoal é estranho com’ó caralho.
Texto: Sérgio Neves | Fotografia: Olaf Breuning
Andar na rua deixou de ser seguro, e passou a ser como figurar numa daquelas séries sem argumento e sem piada nenhuma que metem
zombies por todo o lado. Só que os
zombies são amostras de gente irritante e com hábitos questionáveis. A maior diferença é que não nos tentam comer, a menos que sejamos uma gaja minimamente aceitável numa qualquer noite de bebedeira. O problema é nós não podermos usar uma caçadeira de canos serrados para limpar as ruas. Não é socialmente aceitável.
Aqui na redacção também somos gente estranha, mas guardamos os nossos esqueletos no armário e os nossos fetiches no quarto. Aconselhamo-vos a fazer o mesmo, e sobretudo a não repetirem nenhum dos 12 seguintes actos que já vimos ser feitos em público. Não são 21, são 21 ao contrário, se isso fizer sentido. Se se identificarem com algum, não falem connosco. Afastem-se de nós quando nos virem na rua. Mas admirem-nos na mesma.
#01 Alimentar pombos
O Sol quando nasce é para todos, menos para os pombos e para as baratas. Mas ninguém alimenta as baratas, portanto guardem o pão e o milho para o pessoal que tem fome e não encorajem a vida a esses parasitas com asas, que mais não fazem do que curtir a música que só eles ouvem nas cabecinhas deles e cagar os carros e às vezes as roupas de gente trabalhadora e civilizada.
#02 Cortar as unhas
Roer as unhas ou mesmo as peles em volta é sinal de nervosismo, de preocupação, para alguns é um hábito enquanto pensam na vida. Já cortar as unhas em público é apenas sinal de javardice e de não ter vergonha na cara. É um processo que envolve sons e esforço e unhas a cair no chão e a ficarem lá, e merecia que um piano de cauda vos caísse em cima depois de um autocarro de dois andares vos atropelar, de tão nojento que é.
#03 A etiqueta das mini-saias
Se há coisa boa no Verão e no tempo quente é ver meninas jeitosas passarem na rua descobertas de pudor e de roupa. Isso sim, é gente. Gente que às vezes não tem muito na cabeça, mas tem pernas para dias. Mas o uso da mini-saia tem de ser cuidado, e não pode incluir gente com mais de 60 centímetros de diâmetro de coxa, mais de 50 de idade, estrias, varizes, pêlos e/ou tomates descaídos. E eles «andem» aí.
#04 Cuspir para o chão (e derivados)
Os tempos de labreguice, de usar camisas abertas para mostrar o pêlo do peito e de coçar os tomates sem ter receio de quem possa estar a olhar, já se acabaram ou estão guardados para as férias em família à santa terrinha. Em horário e condições normais, façam o favor de não cuspirem para o chão, nem fazer aqueles sons a puxar a escarra, como quem lhe mete ranho e textura e a história da família. Até porque já ninguém mastiga tabaco.
#05 Telemóveis
Quando se criou a opção de altifalante, a ideia era usar aquilo naquelas alturas em que temos as mãos sujas ou estamos a conduzir ou a fazer outra treta qualquer importante. A ideia não era com certeza andar na rua com o telemóvel pendurado na mão enquanto gritamos com a outra pessoa sobre quem a vizinha do 5.º esquerdo anda a comer, ou sobre aquele sinal de pele que tem um pêlo encravado.
#06 Música
Ainda no seguimento dos telemóveis, e porque há sempre em cada transporte público ou paragem respectiva um adolescente ou um brasileiro ou às vezes os dois ao mesmo tempo, a ouvir música no telemóvel ou até numa aparelhagem daquelas pequeninas, sem fones, mesmo para toda a gente ouvir. E é sempre quizombas de ir ao cu, ou
technos marados daqueles que se ouvem quando se metem comprimidos para aguentar o mau que aquilo é, ou sambas que parecem quizombas de ir ao cu. Nunca é uma dos Beatles ou Led Zeppelin.
#07 Boxers e fios dentais
É sempre uma risada, ir no meio da rua a pensar na vida e na crise, e mesmo em frente estar um tipo com as calças nos joelhos. Custa entender qual será o possível encanto de se mostrar o buraco dos
boxers no meio da rua. Ou, já agora, as miúdas que puxam os fios dentais para meio das costas. O encanto e o charme estão na subtileza, e andar com a roupa interior de fora é como gritar a plenos pulmões ou que são super-heróis com pressa para trocar de roupa ou que estão frustrados e querem é o que vier à rede.
#08 Óculos escuros
É uma cena fixe para dar estilo, usar óculos escuros quando se vai passear no descapotável a um sábado, checar as miúdas na praia com o cabelo ao vento e a M80 a fazer-nos imaginar que estamos em LA nos anos 60. Deixa de ser uma cena fixe quando os óculos aparecem num bar ou numa discoteca ou num espaço qualquer fechado que não seja para esconder olheiras ou olhos vermelhos do patrão. Especialmente de noite. Chulos.
#09 Escaldões
«Ei, gente, inventou-se tipo na semana passada ou assim uma cena bué inovadora e genial, que é um creme que quando se espalha na pele previne cancros e essas coisas que até são más e que nos fazem ficar com a pele toda nojenta daqui a vinte anos.» Deviam experimentar, a sério. Ser lagostim na rua – especialmente com marcas de óculos ou de fatos de banho – já deixou de ser
sexy desde, sei lá, sempre.
#10 Macacos
Calminha Dantas, não vamos ser racistas. Porreiro porreiro é estar no trânsito (calma, a frase ainda não acabou) e olhar para o lado e ver que o vizinho do Fiat Uno tem o dedo mais para dentro do nariz que a cocaína no do Charlie Sheen. Ou da Amy Whinehouse, ou até mesmo da Whitney Houston, mas essas já estão mortas e não é fixe fazer piadas sobre elas. Melhor que isso é vê-lo a estudar o dedo durante uns segundos e engolir logo de seguida – o do Fiat Uno, não o Charlie. Como se ele fosse desperdiçar.
#11 Foder em seco
Quando somos nós até tem piada, estamos com a miúda toda excitadona a esfregar-se em nós e a dar-nos uma tusa que faz vergonha a muitos monumentos, e queremos é um quarto que não existe e começamos a esfregar-nos também, mesmo no meio da rua, veja quem veja. Mas a coisa é de evitar, porque vista de fora vai da piada à pornografia amadora rasca, e puxa um bocado o vómito. Um bocado grande. Especialmente se forem feios. E gordos.
#12 Sandálias com meias brancas
São sempre meias brancas. Lá em casa há meias de todas as cores e feitios, mas no dia em que as sandálias saem do armário, lá vem a soca branca a acompanhar. Aquelas que ao fim do dia estão meio acastanhadas da poeira, quiçá com o buraco de classe no calcanhar de Aquiles, a cheirar a um misto de chulé com camurça. Pobres esposas donas-de-casa desesperadas, que até ao dia do casamento sempre os viram de sapatos de vela ou ténis de corrida, e nunca preveriam um futuro com tão mau gosto.
Podia ter-se aqui discutido o lugar dos bebés e dos seus berros em locais públicos, os
tops a mostrar barrigas flácidas, os palitos no canto da boca, os taxistas e o Cláudio Ramos, mas conhecemos gente que conhece gente que tem filhos e que até tem uma bandeira de Portugal na janela, portanto fica por aqui a lista de coisas irritantes. Por agora.
Artigo publicado na edição #11 da Revista 21