Título A Escolha dos Três
(A Torre Negra - Livro 2)
Autor Stephen King
Edição Bertrand Editora
Título Original The Drawing of the Three
(The Dark Tower)
Tradução Rosa Amorim
Género Fantasia
Páginas 424
| PVP 17,70 €
Ano 2014
| Original 1987
Sinopse aqui
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Originalmente publicado em 1987, cinco anos após o seu antecessor, A Escolha dos Três
é o segundo volume da épica saga «A Torre Negra», um dos mais populares e reputados trabalhos da preenchida carreira de Stephen King. Por se tratar esta da análise de uma sequela, irei necessariamente abordar alguns aspectos que desvendam, entre outros, o desfecho do primeiro volume. Fica então o aviso: se ainda não leu O Pistoleiro
e se pretende manter longe de spoilers
, não passe deste parágrafo. Visite antes esta opinião.
A narrativa d'
A Escolha dos Três tem início cerca de sete horas após o desfecho d'
O Pistoleiro. Vendo-se enfim livre do homem de negro mas ainda muito longe do seu verdadeiro e grandioso objectivo — a Torre —, Roland recupera energias na praia. O seu descanso é, todavia, interrompido quando uma criatura monstruosa, semelhante a uma lagosta (uma
lobstrosity, no original), o ataca, vinda do mar, e lhe leva, da mão direita, o indicador e o dedo médio, e do pé direito, a maioria do dedo grande. Cada vez mais debilitado pelos ferimentos, a única coisa que o nosso pistoleiro favorito pode fazer é continuar. E, claro, esperar que se cumpra a profecia final de Walter.
Recorde-se que, nas últimas páginas d'
O Pistoleiro, o homem de negro leu o futuro de Roland com um baralho de cartas de tarô. Três das cartas exibidas, representando obstáculos entre o pistoleiro e a sua Torre, foram o Prisioneiro («Encontra-se à beira do roubo e do homicídio. Foi infectado por um demónio. O nome do demónio é Heroína.»), a Senhora das Sombras («Parece-te ter duas faces, pistoleiro? E tem mesmo. Um verdadeiro Jano.») e a Morte («Mas não a tua.»). O mistério só é desvendado quando Roland se depara, enfim, com a primeira de três portas verticais no meio do extenso areal. Tem nela inscrita a palavra «prisioneiro».
Tudo se altera a partir daí.
É tempo de uma breve confissão. Eu gostei (muito) d'
O Pistoleiro, mas, francamente, quase não me pareceu Stephen King. A prosa trabalhada, pouco natural, muito poética, confere um surrealismo interessante à obra e enquadra-se na perfeição ao mundo que lhe serve de cenário, mas senti alguma saudade, se assim se pode chamar, do «repentismo» narrativo e dos irreverentes diálogos que deram a King o trono dos contadores de estórias. As primeiras páginas d'
A Escolha dos Três, resumidas nos parágrafos anteriores, têm o mesmo tom do primeiro volume... mas eis que Roland transpõe a primeira porta e «A Torre Negra» ganha uma nova face.
Foi
aqui, precisamente
aqui, que a saga me «apanhou». Foi
aqui que as páginas começaram a voar a grande ritmo. E foi
aqui que compreendi o quase ínfimo potencial criativo da ideia.
Não querendo desvendar as surpresas da obra, limito-me a destacar alguns dos seus trunfos: muita acção, de diversos tipos, incluindo a que será provavelmente a melhor cena de tiroteio que já li («Vai haver tiroteio.»/«Vai?»/«Vai. E bastante, acho eu.»); personagens novos, bem definidos e com muito para mostrar (gostei particularmente de Eddie); uma frase de três páginas (toma lá, Saramago!) na mente de uma louca; muita crítica social, incluindo apontamentos hilariantes, sempre que Roland se põe a tentar perceber pessoas e mundos que desconhece; e, talvez melhor que qualquer outra coisa, a sensação que fica de que, por muito bom que este tenha sido, o próximo volume d'«A Torre Negra» deverá ser ainda melhor.
Já se percebeu que gostei bastante e a recomendo mesmo a quem nem tenha apreciado por aí além a primeira aventura de Roland; devo, no entanto, terminar com um breve reparo à tradução da obra. Tenho por hábito ler alguns livros, em especial os de autores com vozes narrativas demarcadas, enquanto ouço os
audiobooks dos trabalhos originais. Por outras palavras, leio português e ouço inglês. Isto permite-me, entre outras coisas, avaliar a tradução.
Há que admitir que, no caso específico d'
A Escolha dos Três, era um trabalho extraordinariamente complicado, em particular sempre que uma certa Detta Walker decide dar um ar da sua graça («
You want it, mahfah? I goan give you what you want, sho!»), mas infelizmente reparei que a linguagem de King é com frequência simplificada, acabando em diversas passagens por perder muito do seu brilho original, algo que não acontecia (tanto) no primeiro volume da saga. Para ter a certeza que não perde nada, aconselho que faça como eu e acompanhe a leitura com a impressionante narração de Frank Muller no
audiobook original. Afinal, um grande livro merece sempre uma grande voz.
Texto: Tiago Matos