«Não estava à espera que o achassem "muito giro", nem que lhe perguntassem porque não decidiu ser atleta face ao "forte corpo" que apresenta. Hoje, em Macau, mais do que surpreender, Ricardo Araújo Pereira foi o surpreendido.
Dezenas de alunos reuniram-se, hoje de manhã, no auditório da Escola Luso-Chinesa Luís Gonzaga Gomes para uma sessão no âmbito do Festival Literário de Macau - Rota das Letras, que juntou à mesa o humorista Ricardo Araújo Pereira e a romancista e poetisa chinesa Hong Yin.
Logo à entrada, Ricardo Araújo Pereira extasiou os mais novos, em particular a ala feminina, arrancando "assobios". Mas a primeira pergunta a si dirigida, e em forma de elogio, acabaria por ser proferida no masculino: "Tem um corpo forte. Joga futebol ou basquetebol? Porque decidiu ser autor e não atleta?"
Antes da resposta, um riso maroto: "Obrigada pela pergunta, e por dizer que o meu corpo é forte. Não estava à espera disto", afirmou o humorista. "Gosto muito de jogar futebol, mas não tenho jeito. A minha profissão é ser humorista. (...) No Ocidente, o riso tem má fama, porque a religião tem peso (...) e o Deus mais importante não ri. Aqui, é diferente, há um Buda que ri".
Ricardo Araújo Pereira confrontou-se também, pela primeira vez, com a barreira da língua. "Hoje sinto-me particularmente estúpido por não falar chinês. Um terço da humanidade fala chinês e a única coisa que sei dizer é Tsingtao [marca de cerveja chinesa], por isso, para mim, é muito difícil transmitir seja o que for", disse, fazendo esboçar sorrisos na jovem plateia visivelmente encantada com a sua aparência física.
"Não parece um humorista", atirou outro estudante. Ricardo Araújo Pereira voltou a franzir a sobrancelha, respondendo em jeito de brincadeira: "Acho isso muito curioso. Não sei como se parece um humorista, mas vou tentar ser mais parecido. Acho que não estavam à espera de um nariz vermelho e de sapatos grandes?"
Além das perguntas mais naturais sobre como e porque começou a escrever peças de humor, a tónica foi sempre colocada num outro ponto de vista. "É muito, muito giro. O que o levou a fazer isto?", lançou uma aluna, corada antes da resposta. "Aparentemente, sou bonito na China e não o sou de todo em Portugal", afirmou o humorista, explicando depois as razões por detrás da "paixão" que sente pelo que faz no dia-a-dia como forma de vida.
"Apaixonei-me pelo espasmo que o rosto faz quando se ri. É muito bonito e misterioso. Causar essa reação [em alguém] sem lhe tocar é extraordinário. É algo muito poderoso" explicou. Sobre a sua "obra favorita", reconheceu não estar muito familiarizado com a literatura made in China, apontando que aprecia prosa que arranca sorrisos, citando Cervantes, bem como títulos tricky (trapaceiros), exemplificando com Three Men On a Boat, do britânico Jerome K. Jerome.
"Mas porquê ser escritor? Escrevo porque não sei fazer mais nada", admitiu, ao realçar que a dada altura ficou "consciente de que podia fazer coisas com palavras", dado que não era muito bom a interagir fisicamente com as pessoas na hora de expressar algo.
Do lado dos mais crescidos também houve perguntas: "Como é que se consegue algo de novo todos os dias?" Isto face ao facto de o humorista assinar uma crónica semanal para a revista Visão, ter estado dedicado, no último ano, ao Mixórdia de Temáticas, da Rádio Comercial, e integrar o Governo Sombra da TSF. A resposta foi pronta: o Governo inspira.
"Parte do meu trabalho é sátira política. A minha inspiração é o nosso Governo que é mesmo muito mau. O Governo dá-me muitas ideias", rematou Ricardo Araújo Pereira, "atacado" no final da sessão por dezenas de estudantes eufóricas para posar ao seu lado na fotografia.»
Via Lux.
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