sábado, 31 de Agosto de 2013

Opinião: O Império dos Homens Bons (Tiago Rebelo)



Título O Império dos Homens Bons
Autor Tiago Rebelo
Edição ASA
Género Romance Histórico
Páginas 536 | PVP 18,90 €
Ano 2013
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Há qualquer coisa em África, pelo menos na que costumava fazer parte de Portugal, que ainda hoje nos inspira um calor especial. Uma espécie de saudosismo. Mesmo a quem nunca tenha sequer posto um pé no continente. E não é que os tempos fossem necessariamente mais simples, que não o eram, as pessoas é que irradiavam uma sinceridade tão ingénua nas acções que só um espírito mais empedernido as pode hoje rejeitar como fase (ultra)passada da evolução humana. Por ser muito própria de uma terra e de um tempo específicos, esta honestidade assume-se particularmente difícil de capturar. Tiago Rebelo consegue, porém, fazê-lo na perfeição. E aqui reside o principal encanto de O Império dos Homens Bons.

Foi o primeiro livro que li do autor. E logo eu, que nem sou grande fã de romances históricos. A história passa-se na pequena vila de Inhambane, em Moçambique, e tem como protagonista o padre Joaquim Montanha, que mais tarde vim a saber ter sido um antepassado real do autor. A apresentação é-nos feita num momento de tentação, quando o clérigo «viola» (as aspas justificam-se apenas devido à disposição com que é recebido) a sua jovem e provocadora escrava Leonor. Mas rapidamente percebemos que Montanha não é um homem «mau». Bem pelo contrário. Desde logo, foi o sonho de fazer a diferença, trazendo instrução e apoio espiritual a um povo sem grandes expectativas, que o levou a sair de Lisboa. E até se pode dizer que, apesar de as politiquices e burocracias da época o deixarem por vezes frustrado e arrependido da decisão, tem a sensatez de nunca se esquivar das responsabilidades. É por tudo isto o mais complexo e verdadeiro personagem da trama, mesmo que a sua personalidade até seja, na maior parte do tempo, algo amorfa.

Apesar do que sugere a introdução, O Império dos Homens Bons não se esgota na relação entre Leonor e o padre Montanha. Na verdade, até são as intrigas políticas e a influência (habitualmente nociva) dos governadores no dia-a-dia dos habitantes de Inhambane que preenchem a maior parte das mais de 500 páginas da obra. Por falar nisso, podiam ser menos. O enredo podia e devia estar mais resumido, ou pelo menos centrado de uma forma mais concisa, menos episódica. Um ou outro capítulo não contribuem em muito para avançar a trama, assemelhando-se mais a registos documentais (num contexto de despejar informação) que a segmentos de obra de ficção. Ainda em termos de foco, parece-me que faria mais sentido se o governador Ferreira tivesse sido o primeiro a surgir, ou seja, se a história tivesse tido aí o seu início, já que a influência dos seus antecessores no cargo é comparativamente inferior. Em todo o caso, é certo que as desventuras provenientes das deturpadas mentes de todos os líderes da vila têm quase sempre o seu interesse e são muito bem exploradas por Tiago Rebelo.

Menos bem explorada está aquela que considero uma das personagens com mais potencial da história. Refiro-me a Leonor. Talvez o autor a tenha querido manter envolta numa certa aura de mistério por sentir que é uma mulher demasiado simples de ideias, mas algumas das suas acções fazem-me crer que é mais que isso, e tem ainda o condão de ser a figura mais capaz de dar cor (leia-se «interesse») ao padre. Tal como está, é retratada como uma espécie de máquina de sexo e conforto, mas parece-me que poderia ter sido muito mais que isso e gostaria de ter passado mais tempo a acompanhá-la.

Preferências à parte, O Império dos Homens Bons é um livro sedutor, muito fácil de ler. Mesmo nos relatos mais descritivos, a leitura faz-se fluida e descontraída, o que diz muito do talento de Tiago Rebelo para escrever simples e bem. E claro, da sua paixão por desvendar as próprias origens. Afinal, quem corre por gosto não cansa, e isso passa para o leitor. É certo que, para romance histórico, acaba por ter muito mais de «histórico» que de «romance», mas, no fim de contas, o mais importante é que O Império dos Homens Bons é capaz de nos transportar por momentos até uma realidade mais simples, mais genuína. E olhem que vale bem a pena fazer das gentes de Inhambane uma das nossas memórias estimadas.

Texto: Tiago Matos

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