«J. D. Salinger, o autor de
À Espera no Centeio, que escolheu uma vida solitária e publicou o seu último original há quase 50 anos, ficará em breve mais acessível. Há uma nova biografia e um documentário a estrear no início de Setembro que, segundo o diário
The New York Times, vão lançar um novo olhar à vida e à obra de um dos maiores – e mais misteriosos – escritores norte-americanos de sempre.
Mas as revelações sobre o autor que prezava a sua privacidade acima de tudo e que trocou Manhattan por Cornish, uma pequena cidade no New Hampshire onde viveu meio século, não ficam por aqui. Garantem a biografia e o documentário, com base em duas fontes anónimas, que os gestores do património de Salinger (o seu filho Matthew e a sua viúva, Colleen O’Neill) receberam ordens expressas do autor, que morreu em Janeiro de 2010 aos 91 anos, para publicarem cinco obras inéditas entre 2015 e 2020.
David Shields e Shane Salerno, os autores da biografia
Salinger, já fortemente criticada pelos familiares do autor, que recusaram envolver-se nela ou no documentário, avançaram até pormenores sobre os livros que deverão começar a sair dentro de dois anos. Uns serão completamente originais, outros, ainda que inéditos, pegarão em personagens já conhecidas do mundo de Salinger. Entre estas personagens estão Holden Caulfield, o protagonista de
À Espera no Centeio (
The Catcher in the Rye no original, também traduzido como
Uma Agulha no Palheiro), romance sobre a angústia adolescente nos EUA da década de 1950, que começou por ser banido das livrarias e acabou como leitura obrigatória nos currículos de liceu; e os Glass, uma complicada família que o escritor criou, composta por dois actores de vaudeville e os seus sete filhos.
O naipe de obras a publicar até 2020 inclui ainda, diz o
New York Times, um romance que parte da relação de Salinger com a sua primeira mulher, Sylvia Welter, uma alemã com quem casou logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, conflito que o deixou profundamente traumatizado (o escritor terá feito parte dos primeiros grupos de soldados americanos a entrarem nos campos de concentração libertados). É também nos anos da guerra que se baseia outro dos inéditos - uma novela em formato de diário. E para atestar da diversidade de interesses do autor, há ainda uma espécie de “manual” sobre a filosofia vedanta.
Ainda segundo o diário norte-americano, Shields e Salerno defendem na nova biografia que Salinger nunca recuperou dos horrores que testemunhou durante a guerra e que toda a sua vida foi “uma missão suicida em câmara-lenta”. Para os dois autores, o escritor começou por tentar lidar com o stress pós-traumático através da arte e, depois, virou-se para a religião: “A guerra destruiu-o enquanto homem e fez dele um grande artista; a religião ofereceu-lhe conforto espiritual no pós-guerra e matou a sua arte.”
O documentário, com selo da Weinstein Company, estreia a 6 de Setembro e o livro, uma edição da Simon & Schuster, deverá chegar às livrarias três dias antes. Biografia e documentário partilham o título e um trabalho de investigação de nove anos que envolveu 200 entrevistas a académicos, amigos, colegas, críticos literários, fotógrafos, jornalistas, fãs ou simples conhecidos, e a consulta de jornais, excertos de livros, correspondência e documentos oficiais.
Shields e Salerno reconhecem também que as anteriores biografias do autor, de Paul Alexander e Kenneth Slawenski, foram fundamentais, assim como os livros de memórias da sua filha Margaret (
Dream Catcher: A Memoir) e de Joyce Maynard (
At Home in the World), que manteve uma relação com o escritor.
O retrato que Salinger faz de Salinger expõe a sua “arrogância desmedida”, que comprometeu boa parte das suas relações afectivas, e a necessidade de controlar a vida das pessoas que lhe eram mais próximas, isolando-as de um mundo que ele rejeitava. Além disso, defendem os autores, a família era muitas vezes obrigada a disputar a sua atenção com as personagens que criava.
“[Salinger] vai ter direito a um segundo acto como nenhum outro escritor teve”, disse Salerno, citado pelo jornal britânico The Independent. “Não há qualquer precedente para isto.”
O Independent fez as contas e diz que, até hoje, J. D. Salinger (1919-2010) publicou apenas um romance e 13
short-stories e novelas. O seu último original,
Hapworth 16, 1924, apareceu nas páginas da revista americana
The New Yorker em Junho de 1965.
Dizem críticos e biógrafos que o escritor não se dava bem com o mundo e que, depois do sucesso tremendo de
À Espera no Centeio em 1951 (a última edição em Portugal é da Difel, de 2010), procurou afastar-se dos holofotes cada vez mais, tendo ainda publicado
Nove Histórias (1953),
Franny e Zooey (1961) e um volume com duas novelas:
Carpinteiros, levantem alto o pau de fileira e Seymour – Introdução (1963). Desde então, o silêncio só foi quebrado por raríssimas entrevistas, a última das quais dada 30 anos antes de morrer. Mas isso não significa que Salinger tenha deixado de escrever. Pelo contrário, fê-lo praticamente todos os dias, até ao fim.
“Há uma sensação de paz maravilhosa em não publicar”, disse em 1974, lembra o
Independent. “Publicar é uma invasão terrível da minha privacidade. Gosto de escrever. Vivo para escrever. Mas escrevo só para mim e para meu próprio prazer.”»
Via
Público.
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