Esta coisa da Internet tem coisas giras, e uma delas é um gajo poder fazer piadas sobre como o lugar das mulheres é na cozinha a fazer sandes, e safar-se sem levar um tabefe. Mas se não nos dão um tabefe, ficam logo aborrecidas da cozinha, revoltam-se e saem cá para fora para mostrar aos homens que afinal até conseguem fazer umas coisinhas melhor que eles, tipo dobrar roupa sem vincos ou tirar uma nódoa lixada da carpete. E, às vezes, fazer música.
Outra coisa gira da Internet é que nos permite encontrar artistas talentosos, às vezes náufragos num mar de gente merdosa, e não é que meia dúzia deles até são mulheres? A cena musical portuguesa é claramente dominada pela testosterona, ainda que nem sempre da melhor maneira: o que se encontra mais por aí são tipos barbudos ou gordos suados a fazer abanar o capacete. Mas às vezes o que é preciso é o toque e o charme femininos, ou a atitude badass de quem gosta de ficar por cima na cama. Opá, já estou a sentir os e-mails furiosos com este sexismo todo a chegar.
Aqui ficam 21 das muitas intérpretes portuguesas que deviam ouvir, mais ou menos conhecidas, mas sempre com talento e relativamente jovens. Assim só para ficarem a saber os meus critérios, até para o caso de me quererem engatar uma noite qualquer. Fizemos o favor de excluir aquelas bandas do riso, tipo Just Girls e tudo o raio que saia dos Morangos com Açúcar ou dos concursos da TVI, mas nem nós conseguimos ignorar a Miúda. Sem ofensa.
Texto: Sérgio Neves
ANA BACALHAU (DEOLINDA)
Um gajo, quando nasce com o rabo virado para a lua, mais facilmente vira bicha. E quando nasce num berço de ouro, o mais provável é que seja corrupto. Fica explicado porque é que uma gaja com o nome virado para a ria canta como uma peixeira. A Ana Bacalhau tem mais tomates que muito homem e uma voz que derruba muros ou derrete corações, mas não há marca melhor para os Deolinda que a inspiração para o nome de uma geração inteira – ainda que seja À Rasca.
ANA FERNANDES (CAPICUA)
Outra mulher cheia de atitude e com historial de pêlo na venta é a Ana Fernandes, mais conhecida na rua dela por Capicua. E a rua dela tinha de ser no Porto, para ajudar à rezinguisse. Uma gaja do rap que se tem vindo a afirmar através de EPs com gente que, sim senhores, e que promete fazer deste e dos próximos anos, os anos desta «abelha-rainha», a mandar na colmeia que era do Zangão The Kid.
AUREA
A nova «voz de Portugal» aparece do nada, ou de Santiago do Cacém (que vai dar ao mesmo), para tentar destronar as fadistas que fazem do fado a imagem da música nacional, como Amália, Mariza e, mais recentemente, Carminho. Há quem diga que soa a Duffy, mas sejamos sinceros: a galesa ainda tinha de comer alguma papa para não desafinar no nível a que Aurea canta. Difícil será mantê-la «nacional», ainda mais porque canta em inglês.
CARMINHO
Certo dia, estava Deus aborrecido com Portugal e enviou-lhes uma mulher com talento e voz incomparáveis, assim para lhes dar algo que os abanasse, sem ser um terramoto, porque já tinha sido feito. Chamou-lhe Amália e nunca mais ninguém lhe esqueceu a pinta. Passaram-se décadas, e parece que não está a dar nada de bom na televisão, porque Deus envia-nos a Carminho. E a fadista de 30 anos chega para nos deixar a pele arrepiada e liderar a nova geração ligada ao estilo musical tipicamente português.
CATARINA SALINA (BEST YOUTH)
O pessoal do Porto continua a demarcar-se, desta vez de forma menos refilona e mais fofinha. Certa vez a Catarina conheceu o Ed Rocha Gonçalves e deu-se logo ali uma química que resultou numa banda calminha e enfeitiçante e num álbum de estreia que já merece palminhas por este mundo fora. Melhor juventude que esta não há.
CLÁUDIA GUERREIRO (LINDA MARTINI)
A coqueluche dos Linda Martini, sem trocadilhos, é o elemento mais baixo da banda. E, não querendo fugir ao rótulo, toca baixo. Para além de ser um ímpeto do ritmo alternativo desenvolvido pela banda, a Cláudia ainda tem tempo para ser ilustradora, ou não tivesse um background nas artes plásticas, mais precisamente na Escultura, que é o curso que tirou em Belas Artes e que temos a certeza que está a aproveitar. Em cenas.
CUCA ROSETA (EX-TORANJA)
Esta pequena ex-corista nasceu Isabel para se vir a tornar Cuca para o mundo, encantando com a voz que muitos apelidam «a nova voz do fado». E não apenas no bairro dela. Não é de espantar – a intensidade com que ela se entrega à música é enfeitiçante e impõe uma carga emocional imensa ao seu tom. Em boa hora escapou da banda melancólica de Tiago Bettencourt para vir dominar a cena. Musical, claro.
DA CHICK
Esta é a miúda da electrónica que nos faltava. DA CHICK é o alter-ego badass que nos apresenta um cocktail musical que combina hip-hop, dance music, uma pitada de drum n’bass e uma porrada de atitude e sex appeal. Não há nada mais sensual que uma mulher que sabe as misturas que faz e não nos deixa ficar parados.
JOANA LONGOBARDI (MÃO MORTA)
Joana é a eterna substituta e, ao mesmo tempo, quem faz esquecer o original. Isto porque substituiu Marta Abreu nos Voodoo Dolls, uma banda de Coimbra, antes de a substituir uma vez mais nos Mão Morta, depois de Marta ter substituído o próprio fundador da banda de rock alternativo e provocante de Braga, José Pedro Moura. Confusos? Não estejam. Até porque ela não tardou em assumir o controlo do ritmo da banda, impondo o seu estilo de rocker chick numa banda de testosterona.
JOANA CORKER (BIRDS ARE INDIE)
Era uma vez um rapaz e uma rapariga que se apaixonaram perdidamente um pelo outro, e dessa união amorosa resultou uma explosão dos seus gostos musicais. E assim nasceram os Birds Are Indie, provavelmente a banda mais querida e fofinha de Portugal. Se querem sentir o amor, vão a um concerto deles. Quanto à Joaninha, além de música experimental é designer e ilustradora. E amante a tempo inteiro.
JOANA VIEIRA (AMARIONETTE)
Seguindo o complô «as miúdas tocam baixo», é este o instrumento de Joana Vieira, ao qual adiciona o dom vocal que forma a sonoridade dos Amarionette, banda de post rock com os mesmos contornos dos Linda Martini mas que lhes adiciona uma componente lírica e poética muito mais intensa e um acutilante desgarrar do instrumental, inspirados em bandas como The Mars Volta e Sonic Youth. Tanto a Joana como os restantes vêm do Seixal, e para não fugir à cena, é a mais baixa de todos os elementos.
JÚLIA E MARIA REIS (PEGA MONSTRO)
Houve uma altura entre os anos 80 e 90 (e se calhar mais para trás, mas como não estava lá, não sei) em que pega-monstros eram uma moda de brinquedo para manchar paredes e dar açoites peganhentos em gente e gargalhar. E é mais ou menos com esse espírito que tocam as Pega Monstro, duas raparigas de Lisboa que uniram uma bateria a uma guitarra e se desuniram a Os Passos Em Volta. Se não conhecem as letras viciantes desde duo de irmãs, andam a comer gelados com a testa, porque andam a perder letras da risada e riffs que ficam no ouvido. E temos dito.
LUÍSA SOBRAL
Muita gente (incluindo o autor deste artigo) tomou conhecimento da Luísa através de um vídeo querido e com grafismo muito próprio que apareceu no YouTube para o seu primeiro single. Outros tantos se lembrarão da cantora ainda nos seus 16 anos, numa participação nos Ídolos, da qual este autor não se lembra porque não vê disso, em que já prometia e muito. Ouvi dizer. Está a ficar à altura de gente e muita gente devia conhecer verdadeiramente esta cantora de jazz e swing, que não será a única em Portugal, mas é sem dúvida única.
MÁRCIA
Há quem acuse a Márcia de ser um bocado monotónica e chata, frágil até, mas gente de bem e gente de bom ouvido sabe apreciar a harmonia quase zen da voz da cantora. Encontramos na Madonna portuguesa (pelo nome único, não pela música extravagante nem pelo uso exclusivo de cuecas em público) mais uma intérprete com percurso nas artes plásticas, desta feita na pintura, que diz tê-la inspirado tanto como a própria vida, para crescer, para escrever, para cantar e para tocar a sua vibrante melodia.
MARIA ANTÓNIA MENDES & SANDRA BAPTISTA (A NAIFA)
A Naifa é uma banda marcada pelo tempo e pela vida, tendo perdido um dos fundadores, o baixista João Aguardela (ex-Sitiados, entre outros) para um cancro no estômago, em 2009. A situação impôs um hiato contemplativo, um luto sentido, mas os palcos voltaram eventualmente a chamar pelo fado misturado com rock, pop e garra. Com nova formação, a qual vem integrar a baixista Sandra Baptista na sonoridade já dominada pela voz de Maria Antónia Mendes, e onde ecoam os poemas de vários autores portugueses, A Naifa voltou cheia de saudade e nostalgia, mas com a mesma energia e intensidade de sempre.
MARISA LIZ (AMOR ELECTRO)
A Marisa começou a carreira ainda petiz, quando entrou nos Popeline e nos míticos (nem sempre pelas melhores razões) Onda Choc. Não quis desistir do mundo da música e entrou em alguns concursos televisivos e afins, desenvolvendo a capacidade vocal e formando eventualmente outras bandas, como os Donna Maria. Acabou nos Amor Electro, que parece ser o seu pouso definitivo, numa vertente pop rock que lhe permite fazer pleno uso da voz e expressividade. É daqueles exemplos de água morna em pedra dura que acabou por furar e por ficar.
MEL DO MONTE (MIÚDA)
A Miúda é a única miúda a quem eu posso chamar miúda sem que isso possa ser visto de modo depreciativo, seja qual for a perspectiva. Porque ela é a Miúda. De nome Mel do Monte, que é um nome que logo à partida mete respeito, a Miúda assaltou de rompante as rádios nacionais e as redes sociais com uma música pop que ficou no ouvido, em que canta: «Eu durmo com quem eu quero e faço o que me apetece.» E logo vieram as adolescentes e as feministas gritar «Fuck yeah!» e andar sem soutien na rua, e logo vieram os críticos fazer piadas e chamar-lhe pêga. Por mim pode continuar a dormir com quem quiser e, já que falamos nisso, alguém lhe dê o meu e-mail.
MÓNICA FERRAZ (EX-MESA)
Na altura em que inserimos o nome da Mónica no artigo, chegou a notícia de que ela abandonava os Mesa. Foi como se adivinhassem que o íamos fazer. Só para nos «lixar». Os Mesa tinham um projecto interessante dentro do pop, e na voz da Mónica uma textura musical hipnotizante e viciante, algo pouco habitual no pop que se faz por cá. Agora Mónica já tem lançada uma carreira a solo que lhe dá algumas garantias, até porque é uma intérprete talentosa e carismática. Pior ficaram os Mesa.
NYA CRUZ (KANDIA)
Os Kandia são provavelmente a banda mais pesada deste conjunto, fugindo do que seria de esperar de uma banda com nome cabo-verdiano, e inserindo-se numa sonoridade metal, mas com características diferentes daquelas bandas que gritam até os pulmões sangrarem, por cima de riffs incessantes. Provavelmente porque têm a Nya, que lhes confere uma certa estabilidade, um ponto de equilíbrio entre o harmonioso e o pesado, e desenvolve até uma certa sensualidade em torno das suas músicas. Ela, que cresceu no seio de bandas do género, encontrou nos Kandia o pouso imediato para mirar vôos mais altos.
RITA REDSHOES (EX-DAVID FONSECA)
Aquilo em cima parece estranho, porque dá a ideia que a Rita andou enrolada com o David até o ter ouvido cantar e se aperceber que «não, ninguém consegue aguentar isto todos os dias». Mas não, a Rita fez parte da banda do David, que não tinha nome. Nos espectáculos eram só apresentados David e os músicos de David. E a Rita chega a um ponto e diz «Epá, não, sou melhor que isto!», e calça um par de sapatos vermelhos e, Jasus!, quem não lhe conhecia a voz nunca mais a esqueceu!
TÂNIA CARVALHO (COSIE CHERIE)
A Tânia conheceu o Job quando este passava férias em Portugal, proveniente da Holanda, e se fazia acompanhar de uma viola para todo o lado. Sendo ambos apaixonados por música, houve daquelas químicas musicais que se dão quando se misturam bons elementos e, com um pouco de história, viagens internacionais, espontaneidade e boa vontade, nasceram os Cosie Cherie, um duo de guitarra artística, voz e pitadas de piano. Para Tânia, a música é um escape que pára o tempo e a faz viajar. E isso transparece nas faixas da banda.
Artigo originalmente publicado na edição #09 da Revista 21
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