«“Mais de 90% dos anúncios de emprego são falsos”, garante Luís Bento, presidente da Associação Portuguesa de Gestão de Pessoas (APG). Ao Dinheiro Vivo, o responsável explica que muitos destes falsos anúncios servem para construir bases de dados que são vendidas a empresas. “É um negócio transnacional.” Mas para que pode servir a sua informação profissional a companhias estrangeiras?
Segundo Luís Bento, para três grandes propósitos. Primeiro, para “conhecer o estado da procura de emprego por parte de profissionais com um determinado perfil e dessa forma proceder a ajustamentos salariais”. Segundo, para “constituir bases de dados que reduzam os custos de seleção e recrutamento” - que pode ser feito sem passar por anúncios. E, por último, para “conhecer, ao nível de cada país, quais as profissões mais disponíveis para trabalhar no exterior”.
A verdade é que para publicar um anúncio nem sempre tem de identificar a empresa. “Anónimo”, “confidencial”, “sem identificar”, ou simplesmente um espaço em branco: é assim que aparece grande parte das ofertas de emprego em sites e nos classificados dos jornais. Para o registo como anunciante é pedido o telefone ou a morada, mas poucas exigem, por exemplo, o número de contribuinte da empresa.
O Net-Empregos, um dos sites mais populares em Portugal, com mais de 86 mil empresas registadas, é uma exceção. Luís Felício, responsável pelo site, garante que são tomadas medidas de inspeção diárias. “Validamos manualmente os anúncios, analisando cada oferta, removemos repetições, controlamos e bloqueamos tentativas de duplicação e damos prioridade ao feedback dos candidatos sobre situações suspeitas, investigando-as de imediato”, explica. O Net-Empregos tem ainda implementado um sistema de cliente-mistério, para testar as respostas das empresas aos candidatos.
Mais rigoroso é, claro, o Instituto Nacional do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Aqui, só são consideradas “ofertas comunicadas por entidades empregadoras legalmente constituídas; que tenham a situação contributiva regularizada; configurem contrato de trabalho subordinado; prevejam retribuição igual ou superior à remuneração mínima mensal [...]; contenham identificação do local de trabalho e caracterização correta das funções”, entre outros requisitos, explica ao Dinheiro Vivo fonte oficial do IEFP. No caso de trabalho temporário, apenas são aceites anúncios de empresas que tenham o devido alvará. Os dados dos candidatos são blindados “conforme critérios definidos pelo utilizador”, ou seja, só é revelada a informação que eles permitem.
“O mercado de recrutamento está inundado de pequenas empresas criadas por pessoas que trabalharam em recursos humanos e se movem apenas pelo success fee [pagas se e pelo número de pessoas que conseguirem colocar], explica Ana Loya, managing partner da Ray Human Capital. Mas mesmo as maiores empresas desta área estão sujeitas a pressões: “Nós já perdemos clientes por nos recusarmos a passar-lhes informação sobre candidatos que temos em base de dados antes de perguntarmos aos visados se o autorizavam”, conta a responsável da Ray - onde toda a informação dada pelos candidatos está registada na Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Ana Loya aponta a imaturidade de empresas e profissionais como razão para este tipo de comportamento e para a facilidade com que as pessoas enviam os seus dados num contexto de procura de emprego. E reconhece que há anos que são publicados anúncios falsos para medir a temperatura ao mercado. “Há anúncios que aparecem ciclicamente e acabamos por perceber que são falsos. Alguns são para empresas se promoverem, darem a ideia de se estarem a expandir, de estarem a contratar”, diz, sem especificar casos e sublinhando o “problema ético”.
“Não é ética e moralmente aceitável que as expectativas das pessoas sejam goradas desta maneira” diz também Luís Bento, realçando que a utilização de dados pessoais para fins diferentes daqueles em que foram recolhidos constitui um crime.
A lei dita que, caso alguém consiga provar que se candidatou a uma vaga de trabalho que nunca existiu, pode acusar o anunciante de desvio e utilização de dados pessoais, um crime punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. Manuel Lopes Rocha, sócio da PLMJ e especialista em Propriedade Intelectual, explica que, de acordo com a Lei de Proteção de Dados de 1998, “a responsabilidade será sempre de quem sabia e quis provocar determinada conduta ou sabia e nada fez para evitar”, ou seja, não são responsáveis empresas que “apenas disponibilizaram ‘espaço’ ou trataram dados por incumbência de outrem, desde que se tenham assegurado da regularidade na recolha dos dados e tenham sido, também, ludibriadas pela conduta do anunciante”.
Mas é difícil provar o logro. Na maioria das vezes, o candidato só sabe que se candidatou e não teve retorno.»
Via Dinheiro Vivo.
0 comentários:
Enviar um comentário