sábado, 12 de Janeiro de 2013

Opinião: O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares (Ransom Riggs)


O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares
Autor: Ransom Riggs
Edição: Contraponto
Título original: Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children
Tradução: Carla Alves
Género: Fantasia
Páginas: 344 | PVP: 17,70 €
Ano: 2012 | Original: 2011


SINOPSE
Uma terrível tragédia familiar leva Jacob, um jovem de 16 anos, a uma ilha remota na costa do País de Gales, onde vai encontrar as ruínas do lar para crianças peculiares, criado pela senhora Peregrine. Ao explorar os quartos e corredores abandonados, apercebe-se de que as crianças do lar eram mais do que apenas peculiares; podiam também ser perigosas. É possível que tenham sido mantidas enclausuradas numa ilha quase deserta por um bom motivo. E, por incrível que pareça, podem ainda estar vivas…

SOBRE O AUTOR
Ransom Riggs é realizador de várias curtas-metragens premiadas, e os seus artigos e ensaios sobre viagens, Strange Geographies, podem ser lidos em mentalfloss.com ou ransomriggs.com.

OPINIÃO
Jacob Portman já era um adolescente pouco sociável, mas torna-se ainda mais retraído depois de testemunhar a morte do avô, assassinado por uma criatura que mais ninguém foi capaz de ver. A conselho do psicólogo, e utilizando apenas uma série de fotografias antigas como guia, ruma com o pai ao País de Gales, a fim de descobrir a verdade sobre o passado do avô, que o remeterá para um estranho orfanato de crianças «invulgares», perdido no tempo.

Existem pelo menos três camadas significativas na leitura deste Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, a surpreendente estreia literária do americano Ransom Riggs, que passou nada menos que 63 semanas na lista de best-sellers do New York Times.

A primeira diz respeito à forma como o livro foi escrito. Ransom Riggs, cineasta de profissão, descobriu uma série de fotografias vintage a preto e branco e decidiu publicá-las num livro especializado. O seu editor, pouco entusiasmado com o potencial sucesso comercial do projecto, convenceu-o, contudo, a elaborar uma narrativa que as integrasse como parte essencial da mesma. É, à primeira vista, um prisma pouco atractivo. Forçar uma história a moldar-se à realidade — ou, melhor dizendo, às tão diversas realidades, tendo em conta que as fotografias incluídas não retratam pessoas ou cenários semelhantes — é quase sempre garantia do insucesso de um processo criativo verdadeiramente livre.

Depois há a segunda camada: a história. As opiniões sobre esta serão distintas. Destina-se o livro claramente a um público jovem adulto, ou a apreciadores habituais de obras de fantasia «realista» como, por exemplo, Marina de Carlos Ruiz Zafón. A primeira metade da narrativa é, de facto, muito próxima desta, juntando elementos de mistério e terror. Só na segunda metade assume o livro o rótulo de fantasia mais tradicional, incluindo portais para viajar no tempo, monstros e criaturas mágicas.

Haverá quem goste, é claro, e até é a contar com isso que o autor termina, de forma evidente, a história com uma sequela (entretanto confirmada) em mente, mas não se pode dizer que o enredo seja perfeito, tendo em conta, por exemplo, a estagnação de grande parte dos personagens, o abandono de tramas secundárias, a irrelevância do twist final e o daí decorrente confronto físico entre crianças e adultos, escrito na qualidade linguística de livros como os de Uma Aventura.

Acaba por ser mais interessante a terceira camada, a da interpretação. Descobrimos o verdadeiro encanto do livro quando o percebemos como um ensaio sobre o pesar. De facto, o protagonista sente de tal forma a morte do avô que se deixa refugiar, através dos mais negros caminhos, nas memórias deste. Mesmo que nem julguemos pertencer ao target da obra, este é um sentimento que todos podemos reconhecer e apreciar.

Também bastante apelativas são, claro, as extraordinárias fotografias vintage que, espalhadas ao longo da história, ajudam a montar um cenário macabro e misterioso. Ainda a este nível, uma palavra para a edição da Contraponto, digna dos mais elevados elogios. São edições destas que dão verdadeiramente gosto de ler e que mantêm os e-books no seu canto, ainda incapazes de substituir os livros tradicionais.

PÚBLICO-ALVO
Jovens com apetência por temas bizarros, apreciadores de fotografia e fãs de livros de fantasia no geral, em especial de obras como Marina, de Carlos Ruiz Zafón, ou The Clearing, de Heather Davis.

Texto: Tiago Matos

Artigo publicado na edição #17 da Revista 21

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