«O prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE), no valor de 25 mil euros, foi atribuído esta segunda-feira à romancista Maria Velho da Costa. A decisão foi unânime e o presidente da APE, José Manuel Mendes, justificou a escolha sublinhando a “criatividade da escritora”, o seu “percurso pessoal e literário”, e ainda o modo inventivo como a autora, que já recebera em 2002 o prémio Camões, trabalha a língua portuguesa.
Nascida em Lisboa em 1938, Maria Velho da Costa estreou-se em 1966 com O Lugar Comum, é co-autora das célebres Novas Cartas Portuguesas (1972) e escreveu alguns dos mais significativos romances da ficção portuguesa posterior ao 25 de Abril, como Casas Pardas (1977), Missa in Albis (1988) ou o mais recente Myra (2008), que venceu os prémios PEN, Máxima, Correntes d’Escrita e DST. A sua obra, que vem sendo traduzida desde os anos 70 nas principais línguas europeias, revolucionou como poucas o romance em língua portuguesa.
Licenciada em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa, Maria Velho da Costa tem ainda o Curso de Grupo-Análise da Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria. Foi professora no ensino secundário, funcionária do Instituto de Investigação Industrial, adjunta do Secretário de Estado da Cultura em 1979, no breve governo de Lurdes Pintasilgo, leitora de português no Kings College, Londres, na década de 80, adida cultural em Cabo Verde de 1988 a 1991, e desempenhou ainda várias outras funções públicas de carácter cultural, designadamente na Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e no Instituto Camões. Entre 1973 e 1978, presidiu à direcção da APE.
Após o livro de contos O Lugar Comum, publicou em 1969 o seu romance de estreia, Maina Mendes, cujo experimentalismo narrativo e linguístico revolucionou a ficção portuguesa nesses anos que antecederam a queda do regime. E Novas Cartas Portuguesas (1972), a obra que escreveu com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta, pode mesmo ter contribuído, se não para acelerar o fim da ditadura, pelo menos para comprometer ainda mais a sua imagem no exterior, já que o processo judicial que o regime moveu contra as “três Marias” teve grande repercussão internacional.
Quando a romancista ganhou o prémio Camões, em 2002, o júri salientou, a par da “inovação no domínio da construção romanesca” e do “experimentalismo sobre a linguagem”, a “interrogação do poder fundador da fala”, uma indagação que é já central em Maina Mendes, cuja personagem principal é uma mulher que perdeu a sua reprimida fala feminina para, nas palavras de Eduardo Lourenço, “inventar a fala, nem masculina, nem feminina, apenas autónoma e soberana, de que os homens usufruem sem riscos e desde sempre, por ‘direito divino’”.
Ainda antes do 25 de Abril, Maria Velho da Costa publica o ensaio Ensino Primário e Ideologia (1972) e Desescrita (1973), uma recolha de crónicas de imprensa.
Em 1976, edita um livro de textos de difícil categorização, Cravo, e no ano seguinte publica o ensaio Português; Trabalhador; Doente Mental e aquele que é reconhecidamente um dos mais originais romances portugueses contemporâneos, Casas Pardas, um livro que evoca os tempos anteriores e imediatamente posteriores à revolução de 1974 através da voz de várias protagonistas, cujos testemunhos são apresentados num registo próximo do do monólogo dramático.
Seguem-se dois livros de poesia em prosa – Da Rosa Fixa (1978) e Corpo Verde (1979) – e, já nos anos 80, a autora publica dois títulos centrais na sua obra ficcional, Lúcialima (1983) e Missa in Albis. Este último, cujo título evoca a missa do segundo domingo de Páscoa, tradicionalmente ligada à admissão na igreja dos recém-baptizados, tem como protagonista uma mulher oriunda de uma influente família ligada ao regime do Estado Novo, Sara, em cujo trajecto talvez possa ver-se uma metáfora do país.
A apropriação de outros textos como desencadeadores da sua própria escrita é uma constante na obra de Velho da Costa, que mantém um diálogo particularmente recorrente e profundo com Luís de Camões. Neste mesmo Miss in Albis, uma célebre advertência do poeta é assim transformada: “Confundir é a regra que convém, segundo o entendimento que tiverdes”.
Entre as obras mais recentes de Maria Velho da Costa contam-se o volume de contos Dores (1994), a peça Madame (2000), sobre textos de Eça de Queirós e Machado de Assis, o romance Irene ou o Contrato Social (2001), vencedor do Grande Prémio da APE, que transforma em personagem a escritora Irene Lisboa, o livro de contos O Amante do Crato (2002), O Livro do Meio (2006), um diálogo com Armando Silva Carvalho, e o seu último e notável romance, Myra (2008).
O prémio Vida Literária foi atribuído pela primeira vez em 1992, a Miguel Torga, e conta, desde a sua criação, com o patrocínio exclusivo da Caixa Geral de Depósitos. Com periodicidade irregular, contemplou já os ficcionistas, poetas e ensaístas José Saramago, Sophia de Mello Breyner, Óscar Lopes, José Cardoso Pires, Eugénio de Andrade, Urbano Tavares Rodrigues, Mário Cesariny, Vítor Aguiar e Silva, Maria Helena Rocha Pereira e João Rui de Sousa. Maria Velho da Costa é a 12.ª premiada. A sua obra, diz José Manuel Mendes, "revela um poder de criatividade e inovação porventura incomparáveis".»
Via Público.
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