Correio da Manhã - Este filme é um marco no cinema erótico. Para além disso, um excelente filme. Tinha essa noção quando começou a filmar?Entrevista via Correio da Manhã.
Léa Seydoux – Sabia que a banda desenhada original era de conteúdo erótico e conhecia também o talento do realizador Abdellatif Kechiche, com quem queria muito trabalhar. - Quando conheceu a Adèle Exarchopoulos, a sua colega neste filme, qual foi a impressão que teve dela?
- Comecei o projeto primeiro e quando a conheci devo dizer que não fiquei logo convencida de que ela poderia fazer este papel. - Porquê? Era muito jovem e sem experiência?
- Não foi por ser muito jovem, mas porque não gostava da personagem da BD, que era bastante diferente dela. Felizmente, foi apenas uma impressão passageira. Depois tornámo-nos amigas. - Foi estranho passar para a viver com ela na intimidade?
- No início, sim. Foi o realizador que alterou essa maneira de pensar. Segundo ele, elas não eram personagens, mas sim nós próprias. Foi aí que deixámos entrar os sentimentos e criámos as personagens que estão no filme. - Quando aceitou o papel, sabia que incluía cenas de sexo?
- Sim, sabia que teria de ir longe nessa exploração. - Parece muito determinada quando diz isso. Mas qual foi a razão, se posso perguntar?
- Queria muito fazer este papel. E queria envolver-me de uma forma total. Física e emocionalmente. - De que forma esta experiência a transformou enquanto mulher e atriz?
- Não sei bem, mas foi muito intenso. O realizador pedia-nos para nos fundirmos com a personagem ao longo de um trabalho de sete dias por semana. Foi uma experiência muito dura. Possivelmente, serei hoje uma mulher diferente. - Sentiu-se desconfortável a fazer amor com uma mulher?
- Sabe, o sexo não foi a parte mais difícil, mas sim estar sempre a representar esta realidade. - Foi difícil abandonar o seu lado pessoal?
- Acaba por ser algo muito subtil, mas é possível. No fundo, aqui trata-se de uma mistura de mim própria e da personagem. - Houve algum momento em que pensasse: “Não sou capaz!”?
- Claro. Várias vezes. Só que tinha assinado o contrato e não podia abandonar. - Acha que este filme pode servir para abrir algumas portas relativamente à forma como se encara a sexualidade?
- Sim, porque não? Apesar de achar que este não é um filme sobre o sexo entre mulheres. Pelo menos, não foi isso que pensei quando fiz o filme. Para mim, era natural. É claro que antes do filme não sabia exatamente o que iria sentir. Mas, no final, acho até que se tornou mais fácil por se tratar de uma mulher. Temos o mesmo corpo, somos amigas, foi divertido. Divertimo-nos muito quando tirávamos a roupa.. (risos) - Sentiu que havia um limite para as cenas mais íntimas?
- Bom, o limite é que o sexo não era 100% real. Usávamos uma pequena prótese... Ou seja, tínhamos vaginas falsas... - Como assim?!
- Usávamos uma pequena membrana de silicone, um molde com a forma de uma vagina. Era realmente um acessório muto perfeito, um verdadeiro efeito especial (risos)... Pode parecer um pouco chocante, mas para nós chegava a ser cansativo. A certa altura já nem pensávamos nisso. - O filme revela algumas cenas muito ousadas de exploração sexual. Algo muito bonito e que nunca tínhamos visto no cinema. O que significou para vocês esta experiência tão profunda?
- Às vezes eram momentos muito intensos, apesar de termos também outros mais humilhantes, pois estávamos rodeadas por três câmaras, num pequeno quarto. E poderíamos passar quatro horas a fazer a mesma cena. Cheguei a sentir-me como uma prostituta. - De que forma esta experiência alterou a forma como encara a sexualidade, ou a sexualidade entre mulheres?
- Acho que de uma forma geral me ajudou a aceitar melhor o meu corpo. A estar sem roupa e a fazer certas coisas. E a achar isso como algo belo. - Porquê, não se sentia confortável antes deste projeto?
- Talvez sim quando era ainda uma adolescente. Nessa altura temos um corpo novo que não sabemos exatamente o que fazer com ele. Acho que agora me senti mais como uma mulher. Digamos que já não tenho medo de me mostrar. - Como se sentiu ao ver-se exposta nua no grande ecrã?
- É algo difícil de analisar, porque foi mais do que fazer o meu papel. Foi uma experiência em que dei tudo o que tinha. Foi um compromisso. - Era difícil de manter a emoção e a intensidade durante tanto tempo?
- Sim, claro. Apesar de ao longo desse processo não puder evitar ficar com algumas dúvidas sobre o que estava a fazer. Cheguei a fartar-me de fazer sexo! (risos) - Para si é mais fácil trabalhar com o seu corpo ou com os seus sentimentos?
- Talvez seja mais fácil usar o corpo do que os sentimentos. Ou seja, podemos mentir com o corpo, mas não com as emoções.
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