domingo, 21 de Abril de 2013

Efeito Borboleta, Parte III: A Ascensão de Reagan


Ronald Reagan foi indiscutivelmente um dos mais populares presidentes dos Estados Unidos. O seu estatuto ficou, aliás, bem evidente na convincente vitória nas eleições de 1984. Poucos saberão, no entanto, que essa conquista foi apenas o culminar de uma sucessão de eventos iniciada 12 anos antes com a depressão obsessiva de um homem chamado Arthur Bremer. É este o Efeito Borboleta que exploramos numa série de três artigos que estabelecem a improvável ligação entre o diário de um psicopata, o filme Taxi Driver e a ascensão popular de Ronald Reagan.

Texto: Tiago Matos

Taxi Driver ganhou rapidamente muitos fãs por todo o mundo. John Warnock Hinckley Jr. foi um deles. Aos 21 anos, saiu de casa dos pais e foi viver sozinho para a Califórnia, procurando alcançar por lá os seus sonhos profissionais. O mundo de Hollywood acabou por não lhe agradar, mas John aproveitou o Verão que lá passou para ir ao cinema, onde viu Taxi Driver pelo menos quinze vezes.

Também ele um solitário por natureza, identificou-se com Travis Bickle e, talvez ainda mais significativo, ganhou uma obsessão por Jodie Foster. Já retornado a casa, enviou um par de cartas para a Columbia Pictures, querendo saber o que podia fazer para se encontrar com a jovem actriz. No entanto, quem recebeu as cartas foi Paul Schrader, que rapidamente se livrou delas, ordenando que fossem deitadas ao lixo, de modo a não perturbar a actriz.

Em Agosto de 1979, John adquiriu uma arma, a primeira de muitas. Por insistência dos pais, começou a visitar um psiquiatra. Tomou tranquilizantes e anti-depressivos. Nada curou a sua obsessão. Ao ler um artigo na revista People que mencionava que Jodie Foster, agora com 17 anos, ia estudar para a Universidade de Yale, inscreveu-se lá e foi morar para perto dela. Deixava-lhe com alguma regularidade poemas e mensagens românticas no correio, e chegou mesmo a conseguir falar com ela um par de vezes pelo telefone. Nessas conversas, John procurou assegurar-lhe que não era uma pessoa perigosa, mas a actriz não ficou convencida. Foi então que percebeu que a única forma de ganhar o coração de Foster era ficando ao seu nível, tornando-se uma figura histórica. E para isso, apenas teria de assassinar o presidente, tal como Travis Bickle e Arthur Bremer quiseram antes dele.

Com o novo objectivo em mente, começou a perseguir o então presidente Jimmy Carter, que andava em campanha pelo país contra o nomeado republicano Ronald Reagan, tendo em vista as eleições de Novembro de 1980. A execução da ideia não lhe correu, porém, da melhor forma. As suas armas foram descobertas e confiscadas no aeroporto, e chegou mesmo a ter de pagar uma multa de 62 dólares para não ir parar à prisão.

A má experiência não o atemorizou. Em Março de 1981, tinha já adquirido novas armas e estava pronto para tentar outra vez. O presidente era agora Ronald Reagan, que apenas conseguira assegurar a vitória nos últimos dias de campanha. A maior parte dos americanos duvidava da sua inteligência e capacidade de governação, ainda mais tratando-se ele de um ex-actor de cinema.

John seguiu Reagan de autocarro até Washington e escreveu uma última carta a Jodie Foster, descrevendo-lhe o seu plano para assassinar o presidente, e afirmando esperar impressioná-la com o feito. Na tarde desse mesmo dia, abriu caminho por entre uma multidão de repórteres no exterior do Hilton Hotel e disparou seis vezes em três segundos. Uma das balas ricocheteou na parte lateral de uma limusina e atingiu Reagan no peito, parando a cerca de dois centímetros do seu coração. Atingiu ainda três outras pessoas com os disparos. O incidente foi captado, na íntegra, por todas as principais estações televisivas do país.

Com John capturado, Reagan foi levado de emergência ao hospital. Pelo caminho perdeu cerca de metade do seu volume de sangue, mas o seu inegável sentido de humor manteve-se. Ao entrar na sala de operações, disse: «Por favor digam-me que são todos republicanos!», ao que o médico, democrata liberal, lhe respondeu: «Hoje somos todos republicanos».

Apesar de ter corrido perigo real de vida, o presidente recuperou depressa e, no retorno ao trabalho, havia ganho a admiração geral do povo. Uma sondagem realizada na altura indicava mesmo que o nível de aprovação a Reagan tinha subido até uns impressionantes 73%. Com um novo fôlego, o presidente declarou acreditar que Deus lhe tinha poupado a vida para que pudesse atingir propósitos mais grandiosos e iniciou um novo e revolucionário plano, que lhe permitiu equilibrar a débil economia americana e resolver várias outras questões do plano social.

A 21 de Junho de 1982, John Hinckley Jr. foi considerado inocente dos crimes de que foi acusado, por razões de insanidade, e enviado para o Hospital de St. Elizabeth, em Washington. Pouco depois, escreveu que achou o tiroteio a maior prova de amor da História, confessando-se aborrecido por Foster não o reconhecer. Em 1999, foi-lhe permitido deixar o hospital por breves períodos de tempo, mas o privilégio foi-lhe revogado logo que descobriram no seu quarto artigos sobre a actriz, trazidos para lá em segredo.

Jodie Foster foi impiedosamente perseguida pela imprensa nos meses que se seguiram à tentativa de assassinato, ao ponto de ponderar terminar a carreira de actriz. Exceptuando um ou outro artigo escritos pela própria, nunca mais aceitou falar sobre John Hinckley Jr. ou sobre o seu papel em Taxi Driver.

Ronald Reagan foi eleito para o seu segundo mandato com uma das mais esmagadoras vitórias de sempre nas eleições presidenciais americanas, ganhando 49 dos 50 estados em disputa. A sua taxa de aprovação continuava elevada. Muitos acreditam que sem John Hinckley Jr. a história poderia ter sido outra. Mas era 1984 e os Republicanos estavam no poder.


Artigos anteriores:
Efeito Borboleta, Parte I: Diário de um Assassino
Efeito Borboleta, Parte II: Taxi Driver


Artigo publicado na edição #20 da Revista 21

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