Conhecer a história de Gia Carangi é conhecer o lado negro da moda, e até do estrelato em geral. Verdadeiro vulcão da indústria, Gia influenciou a vida de inúmeras pessoas, em particular a de Angelina Jolie.
Texto: Tiago Matos
Em busca de amor
Muitas pessoas sonham ser famosas: o dinheiro e a admiração que habitualmente acompanham a fama são um apelo difícil de negar. Algumas chegam, inclusive, a despender todos os seus esforços diários nessa procura, mostrando-se capazes de vender a própria «alma» para aparecer numa capa de revista. Mas não foi essa a motivação de Gia. A mulher que chegou ao topo da moda no final da década de 70 passou a vida à procura de algo bem mais etéreo: amor.
Família separada
Gia Marie Carangi nasceu na Filadélfia, a 18 de Novembro de 1960. Durante a infância, habituou-se, junto com os dois irmãos, a assistir às brigas entre os seus pais. A mãe, Kathleen, acabou mesmo por sair de casa, para ir viver com outro homem.
Em busca de atenção
Muito próxima de Kathleen, Gia ficou devastada com a sua partida. Sempre que a via, esforçava-se ao máximo para a agradar, numa tentativa desesperada – e, com frequência, infrutífera – de obter atenção. Com os anos, a criança carente tornou-se uma jovem rebelde, extremamente viva e à-vontade com a sua sexualidade, mas a procura por atenção não diminuiu.
Wilhelmina Cooper
Kathleen incutiu-lhe a ambição de ser modelo, e aos 17 anos, depois de alguns trabalhos menores em projectos locais, foi para Nova Iorque tentar a sua sorte. Wilhelmina Cooper, dona de uma das principais agências do país, ficou fascinada com ela, não apenas pela sua beleza, mas também pela atitude indomável que transparecia, e acabou por lhe oferecer um contrato.
No topo do mundo
As primeiras produções fotográficas confirmaram em pleno o seu potencial: Gia era algo de novo, uma jovem com personalidade, que aliava a beleza e a sensualidade a uma androginia irreverente. Em pouco tempo, revolucionou o conceito de top model e tornou-se um ícone.
A primeira supermodelo
Do topo do seu 1,73m e tendo como medidas 86-61-89, Gia havia de ser considerada por muitos a primeira supermodelo mundial, ainda que o título seja disputado por nomes como Dorian Leigh, Janice Dickinson e Jean Shrimpton.
As capas de Gia
Gia foi por cinco vezes capa da Vogue, nas suas diversas edições internacionais. Foi ainda capa de várias edições da Cosmopolitan e de outras renomadas revistas de moda, o que a colocou rapidamente no topo da indústria. Mas os seus demónios acompanharam-na.
Drogas da moda
Consumir cocaína nos anos 70 não era nada de extraordinário. Toda a gente o fazia, especialmente no mundo da moda. Gia não era excepção. Durante algum tempo, encarou-se o assunto como natural, mas então ela começou a utilizar a droga como forma de ultrapassar as infelicidades. E Gia estava muitas vezes infeliz…
Nuas por trás de uma vedação
Em 1978, fez uma pequena produção, por trás de uma vedação, com o extravagante fotógrafo Chris Von Wangenhein, para a Vogue. No final, Wangenhein perguntou-lhe se aceitava ficar por lá mais algum tempo e fazer uma sessão a nu. Gia concordou, mas apenas com a condição de que a maquilhadora, Sandy Linter, se juntasse a ela nas fotos. As duas mulheres, completamente nuas, protagonizaram então um dos mais eróticos e icónicos ensaios da carreira de Gia.
Gia e Sandy
Iniciaram também aí um romance. Revelando a sua habitual disponibilidade emocional, Gia havia-se perdido de amores por Sandy, apesar de apenas a ter conhecido naquele dia, e Sandy retribuíra-lhe o sentimento.
Solidão e heroína
Pouco mais de um ano depois, a sua amiga, mentora e «mãe de Nova Iorque», Wilhelmina Cooper, morreu, com cancro pulmonar. Gia lidou muito mal com a situação, enchendo-se de drogas, o que provocou também o afastamento de Sandy Linter. Mais sozinha que nunca, passou para heroína, a única substância que a fazia esquecer os seus problemas.
Marcas de agulha
Como consequência, a rebeldia descomplexada que a caracterizava no trabalho transformou-se em falta de profissionalismo. Chegava atrasada, faltava, adormecia, e tinha ocasionais acessos de fúria durante as produções. Todo o dinheiro que ganhava era gasto em drogas. Pior ainda: as marcas de agulhas nos seus braços eram cada vez mais difíceis de esconder.
Abandono e retorno
Em 1981, abandonou a moda e voltou a Filadélfia, onde se inscreveu num centro de reabilitação, para se livrar por completo do vício. Não resultou. Para dificultar as coisas, envolveu-se com Elyssa Golden, também ela viciada em heroína. Depois de ser apanhada a roubar dinheiro da casa da mãe, voltou a Nova Iorque e esforçou-se para retomar a carreira. Conseguiu ainda ser capa da Cosmo, em 1982, mas as drogas apoderaram-se de novo dela quando a relação com Elyssa terminou.
Caixa de supermercado
Pressionada pela família, voltou a entrar num centro de reabilitação. Quando saiu, tornou-se caixa num supermercado e vendedora numa pequena loja de roupa, num centro comercial. Três meses depois, fartou-se e desapareceu.
Prostituição e SIDA
Algum tempo depois, Kathleen recebeu um telefonema, informando-a que a filha estava em mau estado. Gia tinha ido para Atlantic City, onde se prostituiu para arranjar dinheiro para drogas. Tinha sido espancada e violada. Kathleen levou-a ao hospital onde, depois de alguns testes, se descobriu que tinha SIDA, uma doença muito pouco conhecida na altura.
Caixão fechado
Gia foi então internada e teve por fim a desejada companhia da mãe, que se manteve ao seu lado durante meses, num quarto do hospital. Morreu aos 26 anos, a 29 de Janeiro de 1986, tão deteriorada que o funeral teve de ser com o caixão fechado. À cerimónia não compareceu uma única pessoa da indústria da moda.
Angelina Jolie
Com a morte de Gia, Angelina Jolie despertou para a sua própria vida. Foi ela a estrela de Gia, filme de 1998 produzido pela HBO, no qual interpretou o papel da falecida modelo. Jolie, então uma actriz virtualmente desconhecida, de apenas 23 anos, chamou a atenção dos produtores pelas semelhanças com a verdadeira Gia: fisicamente fascinante, atitude rebelde, problemas familiares e um estranho fascínio por facas, que a levou, inclusive, a cortar-se quando era adolescente. Depois de ler o guião, Jolie identificou-se de tal forma com a falecida modelo que recusou, por várias vezes, interpretá-la, com medo de se perder na personagem.
Presa no mundo de Gia
Os seus medos revelaram-se, de certo modo, fundamentados. Jolie teve uma excepcional interpretação, que a catapultou para a fama e lhe deu a ganhar o seu primeiro Globo de Ouro, mas permaneceu «presa» no mundo de Gia durante todo o tempo de filmagem. Costumava telefonar, deprimida, ao marido da altura, o também actor Jonny Lee Miller, dizendo-lhe que o tencionava deixar porque era lésbica e se sentia prestes a morrer. Discutiam todos os dias. Acabaram por se divorciar.
O período negro de Jolie
Depois das filmagens, o «efeito Gia» continuou: Angelina deixou a actuação por algum tempo, justificando-se com o facto de não ter mais nada para dar ao cinema. Após um período negro, no qual se convenceu que, tal como Gia, havia de morrer aos 26 anos, lá conseguiu ultrapassar a personagem, tornando-se na actriz e personalidade de topo que é hoje. Jolie credita, aliás, a falecida modelo pelo novo rumo da sua vida: «Foi por ter interpretado Gia que se me tornou possível não me tornar como ela».
Zoë Tamerlis Lund
Curiosamente, Zoë Tamerlis Lund, a primeira hipótese para escrever o guião do filme biográfico sobre Gia, acabou por morrer graças a abuso de drogas, algum tempo depois de abordar o projecto.
Cindy Crawford
Também a carreira de Cindy Crawford foi, ainda que de forma indirecta, influenciada por Gia. Foi graças às semelhanças físicas com esta que Cindy deu os seus primeiros passos na moda, chegando mesmo a ser apelidada de «Baby Gia».
Artigo publicado na edição #20 da Revista 21
2 comentários:
Caraca, quanto mais eu leio sobre Gia, mais eu fico atormentado.
Tambem cada vez que leio sobre Gia, fico inquieta, angustiada, triste,
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