Efeito Borboleta, Parte II: Taxi Driver
Ronald Reagan foi indiscutivelmente um dos mais populares presidentes dos Estados Unidos. O seu estatuto ficou, aliás, bem evidente na convincente vitória nas eleições de 1984. Poucos saberão, no entanto, que essa conquista foi apenas o culminar de uma sucessão de eventos iniciada 12 anos antes com a depressão obsessiva de um homem chamado Arthur Bremer. É este o Efeito Borboleta que exploramos numa série de três artigos que estabelecem a improvável ligação entre o diário de um psicopata, o filme Taxi Driver e a ascensão popular de Ronald Reagan.
Texto: Tiago Matos
Paul Schrader nasceu no Michigan, no ano de 1946. Os seus pais eram fervorosos crentes da religião calvinista e rigorosos ao ponto de não o deixarem sequer ver filmes durante a infância. Aos 18 anos, escapou-se de casa às escondidas e foi ao cinema pela primeira vez, para ver The Nutty Professor (lançado em Portugal com o título As Noites Loucas do Dr. Jerryll), que detestou. O «bichinho» do cinema permaneceu, contudo, no seu interior.
Depois de obter uma carta de recomendação escrita pessoalmente por Pauline Kael, uma das maiores profissionais da crítica cinematográfica da altura, Paul decidiu ir estudar cinema na Universidade da Califórnia. Com o curso terminado, e ainda com Pauline como mentora, tornou-se ele próprio um crítico de cinema, antes de eventualmente se aventurar na escrita dos seus próprios filmes.
As coisas não lhe correram bem. Em 1972 foi despedido do Instituto de Cinema Americano, depois cortou relações com a grande amiga Pauline, e de seguida trocou a esposa, Jeannine Oppewall, por outra mulher que o viria a abandonar. Sem dinheiro e com dívidas para pagar, viveu sozinho no apartamento da ex-namorada durante alguns meses, aproveitando a sua ausência. Nesse período desenvolveu uma obsessão por armas e pornografia. Um dia, sentiu uma dor aguda no estômago. Foi ao hospital e informaram-no de que tinha uma úlcera. Foi nesse momento, ao conversar com a enfermeira, que Paul percebeu que já não falava com ninguém há semanas.
Com a certeza de que algo tinha de mudar rapidamente, virou-se uma vez mais para a escrita, como forma de terapia. Nas suas pesquisas habituais pelas livrarias, deparou-se com um volume intitulado Diário de um Assassino, escrito um ano antes por Arthur Bremer. Quando o leu, tudo lhe fez sentido na forma de guião. Combinando a sua própria experiência com a vida narrada no diário, criou em menos de uma semana o guião de Taxi Driver.
O enredo da história gira à volta de um jovem solitário e deprimido, de nome Travis Bickle, que, por sofrer de insónias, resolve arranjar um emprego como taxista, trabalhando nas madrugadas de uma violenta e imoral cidade de Nova Iorque. Frustrado com a imundice a que assiste diariamente e enraivecido com a rejeição da mulher que admira, decide marcar a diferença no mundo, fazendo-se notar. Torna-se então um verdadeiro fanático por armas e começa a planear o homicídio de um candidato à presidência dos Estados Unidos. Em simultâneo procura ajudar uma prostituta de 12 anos a fugir ao seu chulo, apesar de ela não demonstrar grande vontade em o fazer.
Taxi Driver foi vendido à Columbia Pictures, que ficou então incumbida de encontrar realizador para o projecto. A escolha não foi óbvia, mas acabou por recair em Martin Scorcese, com a condição de que este trouxesse com ele Robert De Niro para o principal papel. Assim foi, e como o tempo haveria de revelar, a decisão não podia ter sido mais acertada.
Tanto Scorcese como De Niro se identificaram de imediato com Travis Bickle e se mostraram em sintonia com Schrader quanto à essência do personagem, pelo que todas as partes se empenharam de forma séria, procurando a melhor execução possível para o argumento. Robert De Niro, que na altura estava a acabar de filmar o Novecento de Bernardo Bertolucci, arranjou inclusive, durante um mês, um emprego nocturno como taxista, de modo a poder preparar-se ao máximo para o papel. Adicionalmente, estudou algumas doenças mentais. Schrader confiou tanto no seu talento que se limitou a oferecer-lhe as suas botas e casaco, deixando-o decidir todos os outros pormenores relativos ao personagem.
Por outro lado, Iris, a criança prostituta, foi a personagem que levou mais tempo a ganhar cara. O processo foi moroso e a audição envolveu mais de 250 raparigas, mas a selecção acabou por incidir na jovem Jodie Foster, que com apenas 12 anos na altura, teve de ser submetida a um teste psicológico antes de lhe ser atribuído o papel, de forma a assegurar que não seria emocionalmente afectada pelo mesmo.
Em 1976, o filme estreou nos cinemas e revelou-se um enorme sucesso, sendo inclusive nomeado para quatro Óscares, para além de receber a Palma de Ouro, no Festival de Cinema de Cannes. As palavras de Arthur H. Bremer, transformadas por Paul Schrader, ficaram desta forma imortalizadas num dos mais reputados e icónicos filmes de sempre.
Continue a ler:
Efeito Borboleta, Parte I: Diário de um Assassino
Efeito Borboleta, Parte III: A Ascensão de Reagan
>>
Efeito Borboleta, Parte II: Taxi Driver Reviewed by Revista 21 on 03:00 Rating:
Sem comentários: