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Eva Duarte: Babu


A única luz que existia vinha de fora. O quarto estava adormecido e a cama cheirava mal. Ela estava virada para a janela, sentindo um corpo quente e demasiado suado comprimido contra as suas costas. Mais um homem anónimo que fornicava como um homem anónimo – pagando primeiro. Hoje não tinha nome, daqui a umas horas não terá rosto, até que por fim seria apenas dinheiro no bolso dela.

Uma traça voava em torno de uma lâmpada, lá fora. De vez em quando ia contra ela e a cada cabeçada ficava mais enlouquecida, estupendamente obcecada com aquela fluorescência, com asas muito feias e antenas muito espetadas, investindo com determinação contra a luz em busca de uma possível entrada que tinha de existir, caso contrário todo aquele fenómeno era despropositado e estúpido. Babu sorriu com escárnio; o Homem também procurava a luz deste modo – batendo com a cabeça contra ela até enlouquecer.

Com uma experiência incrível, Babu vestiu-se e saiu sem qualquer som. Na rua a noite ainda não tinha cedido e o ar estava carregado de uma humidade que se pendurava no cabelo de Babu, colando-lho ao rosto. Um rapaz surgiu no caminho dela com a intenção de lhe passar a mão pelos cabelos. Assim que os dedos dele lhe pousaram na cabeça, a mão dele pegou fogo. A rapariga permaneceu indiferente, talvez porque nada daquilo tinha realmente acontecido ou porque já tinha acontecido tantas vezes que já não a surpreendia.

Babu não compreendia o olhar de traça estampado na cara do rapaz, portanto apressou-se a perguntar se ele trazia dinheiro com ele. Não, não trazia. Ela seguiu em frente e deixou-o para trás, ainda meio estúpido a olhar para os dedos.

Com o sol a nascer, a rua começava a parecer gasta devido à crescente afluência. Apressou-se a apertar o casaco para mostrar que já não estava de serviço e desejou chegar o mais cedo possível a casa. Assim que Babu encontrou o conforto de quatro paredes, despiu-se e foi lavar os nomes perdidos que tinha pelo corpo.

Já lavada ficou intrigada pelo reflexo do seu corpo despido. Olhava-se muito pouco, o que era uma pena pois era paga para ser olhada (entre outras coisas). Devia de se olhar mais vezes para descobrir de que ângulo era mais agradável ser vista. No entanto, de que valia essa descoberta? Ela tinha que ser tudo o que era possível de ser desejado e procurado, o que lhe retirava o direito a ter um corpo, pois precisava de ser vários todas as noites. Babu vendia o dom de ser moldada e sentia uma ponta de orgulho por isso.

Continuou a olhar-se e pensou que assim se morria e assim se via a morrer entre a carne e o reflexo. Ela tinha muitos sonhos de homens anónimos enfiados pela garganta abaixo, mas nenhum sonho seu. Não havia outro propósito em Babu do que ser Babu. Significava isso que ela era vazia ou que tinha desistido de ser uma traça? Ela sabia definitivamente que não queria ser uma traça, queria ser exactamente aquela rapariga despida que via no espelho, que era diferente de homem para homem mas que regressava sempre para a mesma casa. Eles que fossem as traças dela.

Enfiou-se na cama e preparou-se para envelhecer mais um dia. Quando saiu de casa a noite começava a cair colada a um nevoeiro espesso que suavizava as luzes. Dali, surgiu novamente o rapaz, com um ar quase feliz e surpreendido, como se não tivesse a certeza que ela apareceria. Mas cá estava ela e ele só queria pegar fogo outra vez através dela. Rapidamente ele enfiou as mãos nos bolsos e sacou de lá notas, uma visão que suavizou o rosto de Babu. Ela não lhe compreendia o ar de traça, mas desta vez ele tinha com que pagar o direito de a moldar.

Ele tinha um quarto para onde podiam ir e ela só teve que o seguir. Ele era muito calado e muito novo, o que poderia justificar o seu entusiasmo aparvalhado. Chegados ao quarto, Babu despiu o casaco e esperou perceber o que desejava aquele rapaz para ela se poder moldar. Mas ele estava tenso e esperançoso e receoso de lhe tocar, embora parecesse óbvio que era isso que ele estava a tentar fazer.

Ele começou a andar em torno dela e Babu deixou-se ficar quieta. Ele começou a tocar-lhe no cabelo e pequenas chamas vinham-lhe agarradas aos dedos. Como estava feliz! Continuou em torno dela, sempre a pousar-lhe as mãos e dela vinha o fogo e longe dela ele apagava-se. Parou finalmente e Babu sentia-lhe os olhos na nuca. Sentiu-o abraçá-la e rir-se junto ao seu ouvido. Ela não sabia, mas todo o corpo dele estava agora em chamas e ele estava extático com a experiência. De repente largou-a e encostou-se contra a parede em chamas que só ele via. Babu achou aquela traça demasiado estranha, agarrou no casaco e no dinheiro e fechou a porta. Já lhe tinha dado tudo o que ele fora procurar.


Por: Eva Duarte
Eva Duarte é uma jovem escritora portuguesa. Em 2010, publicou o romance infanto-juvenil «Angelyraa – Humanidade de Cristal» e o conto «A Lua Também Chora».

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