sábado, 28 de Dezembro de 2013

Juvenal: "Está desempregado, coitadinho"


O desemprego é um flagelo que ataca as pessoas quando elas menos esperam. A pessoa num momento está empregada e pode passar o dia no Facebook a fingir que trabalha, sempre com o mindinho no Alt, pronta a fazer Alt+Tab para disfarçar, e recebe o dinheirinho bom para poder comprar coisas importantes e mudar de telemóvel todos os dois meses, e no outro, zás!, está desempregada e pode passar o dia no Facebook a fingir que procura emprego sem precisar de ter o mindinho onde quer que seja e volta a ter de usar o Nokia 3210 que até tem vergonha de usar em público - como quando se tem filhos deficientes ou do Benfica - porque as pessoas olham e fazem aquele ar de «está desempregado, coitadinho», como se tivesse cancro. Ou fosse do Benfica.

Menos o João.

O João era um gajo que morava em frente da casa da minha avó e tinha um ferro-velho - o pai, não ele, mas achei que facilitaria o texto e não teria de explicar mas depois expliquei porque sou muito picuinhas com coisas em geral e em particular e tenho as meias ordenadas por cores e por probabilidade de ir foder caso as leve para sair à noite - e, um dia, estava a encher cartuchos - o João, não eu - para irem à caça - o João e o pai, não eu e o João - segundo se falou no dia a seguir na praça, e como aquilo não entrava, foi buscar um martelo e já se estava mesmo a ver quem é que tinha dois mindinhos e passou a ter apenas um. Logo o mindinho. Ainda o vi sem o dedo pouco depois e tenho a dizer que nem ficou com coto nem nada. Era como se nunca tivesse tido aquele dedo. Eu, se um dia perder algum dedo da mão, é assim que quero que me arranjem, a não ser que seja um dos do meio, aí prefiro que arredondem pelo nó mais próximo.

Não sei porque estou a dizer isto aqui, até porque presumo que estarei consciente na altura e poderei ser eu a dizer «Ó Sr. Dr., não acha que ficaria melhor um bocadinho abaixo da unha? Também, se puder, punha-me um aileron, se faz favor.» E se não pusesse eu começaria logo com aquela conversa de desempregado de que «isto cá em Portugal não dá e eu, se não fosse os miúdos e a senhora, ia mas era para a Suécia que o meu primo diz que lá é aos quatrocentos e aos quinhentos contos para enroscar lâmpadas no metro.» Mas agora nem isso posso. Porque estou desempregado e tenho de voltar aos serviços de saúde públicos.

Por: Juvenal

Crónica publicada na edição #08 da Revista 21

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