quinta-feira, 19 de Abril de 2012

Entrevista 21: Mark Boyle


Mark Boyle é um homem especial. Não por viver sem dinheiro (nesse caso muitos de nós o seríamos) mas por o fazer por sua própria iniciativa. Na verdade, Boyle não acredita em dinheiro. Fundador da Freeconomy, uma comunidade de trocas e ofertas na qual o este não tem lugar, decidiu ele próprio viver um ano inteiro sem dinheiro, uma experiência que relata no livro O Homem Sem Dinheiro. Quer saber mais? A 21 esclarece-o!

Texto: Tiago Matos | Fotografia: Jose Lasheras

O Mark escolheu viver sem dinheiro durante um ano. Deixe-me repetir: o Mark escolheu combater ratos, suportar duches gelados e procurar comida no lixo ao longo de um ano inteiro. Dito isto, a minha primeira pergunta tem de ser: você é maluco?
Tenho a certeza que eles vão achar que sim.

Não há lugar para dinheiro num mundo ideal?
Depende dos ideais de quem se esteja a falar. Eu defendo que o único mundo verdadeiramente sustentável teria de ser localizado a uma tal escala que o dinheiro se tornaria obsoleto.

Todas as grandes corporações são imorais?
O facto de estarem legalmente obrigadas a tomar decisões que colocam os interesses financeiros dos seus accionistas acima de todas as nossas preocupações faz delas uma força muito destrutiva no planeta. Quando consideramos que muitos fabricantes de armas são sociedades anónimas de capital aberto, e que estão, por isso, legalmente obrigados a maximizar as suas vendas, percebemos o problema das corporações.

Portanto, mais que imorais, são perigosas?
São agora mais ricas e poderosas que o Governo, e considerando que não são eleitas democraticamente, não é uma boa situação. Por outro lado, as pessoas que lá trabalham têm muito pouca autonomia, o que significa que os seus empregos lhes parecem insatisfatórios e sem sentido.

Mahatma Gandhi foi a principal influência na ideia de passar um ano sem dinheiro?
Não, mas foi uma de muitas.

Teve sempre a intenção de escrever um livro sobre a experiência?
Não, apenas mo propuseram um dia antes de começar.

Teria ido em frente com a ideia mesmo que os media não demonstrassem interesse nela?
Claro. Aliás, eu nem sabia que os media iriam demonstrar qualquer interesse até a ter iniciado. Isso até acabou por consumir todo o meu tempo.

Mas não era uma experiência perigosa? O Mark não a teria de cancelar se a certa altura ficasse seriamente doente por alguma razão? Como, por exemplo, ao comer pão bolorento…
O que interessa é que não fiquei seriamente doente. Na verdade, vivendo ao ar livre, comendo alimentos frescos e orgânicos - produzidos a nível local - e fazendo bastante exercício não se fica doente.

Nas suas palavras, foi essencial a criação de vínculos com as pessoas ao seu redor, de modo a viver em comunidade. Seria uma pessoa tímida ou misantrópica capaz de sobreviver sem dinheiro?
Seria mais difícil para eles, mas ter de o fazer para viver poderia ajudá-los a libertar-se das suas jaulas de timidez. E o crescimento pessoal é uma parte importante da vida.

De qualquer modo, arranjou um lugarzito bastante agradável e recebeu bastantes objectos importantes, como o atrelado e o fogão. Não diria que a sorte foi um dos principais factores para o seu sucesso?
Se se acreditar em sorte, então talvez. Mas o mundo está cheio de coisas que esperam que as utilizemos de forma adequada. Precisamos de ser muito mais engenhosos.

Qual foi o ponto mais baixo do ano? A Primavera pareceu bastante má…
Ter de responder infinitamente a esta questão a jornalistas que parecem convencidos que deve ter havido algum ponto no qual a minha vida foi infernal!

Percebi a dica. Mas, mesmo assim, e apesar de se assumir um grande fã de boleias, terá pelo menos de admitir que ficou um pouco preocupado quando entrou no carro de um ex-presidiário acabadinho de ser libertado, ou não?
Não, ele era um tipo adorável. Eu não soube que era um ex-presidiário até metade do caminho, mas aceitei-o como era.

Ao planear a experiência, perguntou-se como se havia de entreter ao longo do ano, mas acabou por descartar a questão após perceber que provavelmente não teria muito tempo livre. O entretenimento morreria num mundo sem dinheiro?
Claro que não! Mas em vez de consumirmos entretenimento, participaríamos nele, fazendo-o nós mesmos. Temos de parar de consumir a vida, participando nós mesmos nela, novamente.

Por falar em entretenimento, dada a sua defesa da partilha global, que opinião tem sobre o que habitualmente chamamos de pirataria online?
É uma questão complexa.

Mudemos de assunto, então. Será a preguiça a principal razão do consumismo?
Não. O mito cultural de que estamos separados do Todo – da atmosfera, dos rios, das florestas, dos oceanos, dos peixes, das abelhas – é a raiz do consumismo.

A principal coisa que ganhou com esta experiência foi sabedoria?
Uma das principais coisas.

É agora uma pessoa mais espiritual?
Somos todos espirituais (e físicos), quer o entendamos ou não. Por isso não sou mais espiritual. Acredito, porém, em espiritualidade aplicada, na qual a nossa espiritualidade é definida pelas formas como vivemos todos os dias. Partindo dessa base, desde que se viva estreitamente alinhado com aquilo em que se acredita, então talvez o seja, sim.

Acredita que será algum dia possível abolir por inteiro o dinheiro no mundo?
Não. Isso é o mesmo que dizer que é completamente impossível que a humanidade siga os outros 99,7% de espécies que já existiram e se tornaram extintas. O mundo estará novamente sem dinheiro um dia.

Acredita em aquecimento global?
Não importa se eu acredito ou não, ou quais as razões por trás do fenómeno. A verdade é que o planeta está a aquecer. Os registos mostram-no de forma inequívoca.

Fale-nos um pouco da sua criação: a Freeconomy Community.
Está a crescer dia após dia. Está agora em 160 países, um pouco por todo o mundo. E vai bem em Portugal, particularmente desde que começaram os vossos problemas com a economia «normal».

Por fim, e sem querer revelar nada sobre a decisão final do seu livro, está preparado para ficar conhecido para o resto da sua vida como O Homem Sem Dinheiro?
É esse o plano, se bem que preferia ser simplesmente conhecido como Mark. Ou nem sequer ser conhecido, graças a um aumento no movimento de outros homens e mulheres sem dinheiro.


Artigo publicado na edição #07 da Revista 21

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