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Filipa Silva: No Acerto das Horas


Filipa Silva ficou em sexto lugar no Concurso Novos Autores - Revista 21/Bertrand. Em «No Acerto das Horas» revela-nos um estilo muito próprio, com vários parágrafos e uma linguagem aveludada que nos envolve e transforma em sonho uma simples história de amor. Prosa que podia muito bem ser poesia.


Por vezes, sobre invulgares e fugazes instantes, os relógios acertam os ponteiros da vida, como se uma ponta de dedo fincasse as costas e forçasse a sombra da vontade a dar passos em frente.

Subitamente, todos os segundos desaparecidos pelos atrasos, todos os beijos caídos de inconfessáveis desejos, todos os abraços emaranhados em costas voltadas, todos esses desacertados compassos entram no carril esperado.

Como se o tempo corresse para alcançar o tempo.

Como se os passos errados se desatassem para se acertar.

Entre o tempo e os passos, há histórias que estão na calha à espera do momento certo. Há páginas que esperam ser desfolhadas sobre as mãos ávidas e cegas de um fiel leitor.

As noites parecem longas, enquanto a vida é tão curta. Mas, o tempo sopra sobre nós, de mansinho, em silenciosas madrugadas.

Terno suspiro sobre o ouvido, sobre o qual os momentos se lavam das incertezas, o futuro se lava dos passados e o presente ilumina as vidraças do horizonte. Nascem novos olhos em momentos como esses.

Momentos em que o tempo nos varre o chão para que mesmo descalços corramos para o que nos espera.

Para o que há por viver. Para aquela porta aberta, com tapete de convite.

Para aquele calor de uma palma de mão, que entrelaça e aperta.

Para aquela história de letras desnudadas em tinta negra, reclamando a sua leitura. Uma história.

A história em que ele lhe disse que ela se lançava com demasiada força e não queria acompanhar a lentidão que a carruagem do amor precisa.

Eterno braço de ferro entre o amor e a pura luxúria.

Sobre um fragmento de segundo, o eco do riso dela revolveu-se no branco dos lençóis, escondendo-se na cortina dos sorrisos e na embriaguez dos cabelos emaranhados. Ela reconheceu-se no que ele lhe falava e, imediatamente se sentiu mais nua do que estava. Mais nua sobre os dedos gélidos das suas palavras cruas. Ele acertara.

Por vezes, quando nos perdemos nos atalhos do caminho, quando a bússola se solta de nós, queremos viver tudo sobre a intensidade extrema, àquela velocidade que desbrava os sentimentos.

Queremos sentir o vento que sopra no alto da forca para que acordemos do adormecimento sanguíneo da alma.

Queremos raspar as unhas no invólucro da bala que nos bate no peito. E, nesse caminho de fúria procuramos algo que tenha o sabor da língua a passar no fio da navalha.

Nesta vida maior que os dias, podemo-nos magoar é certo, podemos trocar a devoção do dar pela ganância do receber. Porém, é nessas investidas do corpo que reconhecemos a nossa geometria.

Por vezes, sobre invulgares e fugazes instantes, os relógios acertam os ponteiros da nossa vida.

Ele acertara.

Ela desacertou-se para se acertar.


Texto: Filipa Silva 

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Filipa Silva: No Acerto das Horas Reviewed by Revista 21 on 00:30 Rating: 5

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