Diana Pedro Tavares: Asas
Diana Pedro Tavares ficou em sétimo lugar no Concurso Novos Autores - Revista 21/Bertrand. O seu conto, de tom muito pessoal, começa e acaba numa metáfora simples mas bem explanada. O final, ainda que algo previsível, adequa-se na perfeição à estrutura ideal das flash fiction.
Era uma rapariga, que tinha asas, e ansiava voar. Ver, sentir o mundo que existia para além do que eu conhecia. Sentir a liberdade dos pássaros, realizar sonhos que pensava serem a futura realidade. Mas a vida real tornava as minhas asas rasas acorrentadas pelas pesadas correntes do controlo e da repressão de quem impedia o meu voo.
Respirava fundo todos os dias. Tinha de esperar. Era inevitável voar, não era? Um dia, voaria para tão longe que ninguém me poderia parar!
Via tantos rapazes e raparigas a levantar voo. Para onde queriam, para onde sentiam que tinham que ir, enquanto eu os observava do miradouro da minha gaiola. Eles pousavam perto de mim e contavam as suas incríveis aventuras a que chamavam vida. Alguns deles choravam com tristeza, fúria e medo, pois os locais onde as asas os levavam eram escuros e incertos.
Podiam pensar que eu desistiria, mas ao ver as lágrimas e o medo nos olhos, a vontade aumentava. Eu queria chorar também! Se chorasse, era porque tinha voado de todo! Quando é que eu poderia simplesmente estender as minhas asas e voar para longe? Para o destino que era apenas meu? Por muito assustador que fosse, eu queria-o!
O dono da gaiola garantia que eu de lá nunca saía. Ele dizia amar-me, e dizia que de olhos vendados e ali presa, naquelas grades solitárias, nunca me magoaria e que por isso, eu simplesmente sorriria para ele.
Então, o dia em que pensava conseguir a liberdade para voar, chegou. Já nada poderia justificá-lo! Eu tinha de ser libertada da gaiola!
Abri as minhas asas e comecei a correr em direcção à porta, mas o dono da gaiola correu, enraivecido, contra a porta, e não só me impediu de sair, como trancou mais a gaiola. Afinal, eu não saía porque ele não me ia deixar sair. Não queria que eu saísse, nunca!
Ao ver a realidade que eu tanto ansiara tornar-se um sonho, empurrei as grades e gritei aos outros pássaros, suplicando por ajuda.
Mas foram olhares de medo que recebi de volta.
«Não sei como ajudar-te, não posso fazer nada por ti! Devias ter voado há muito. Agora, nunca voarás!».
Ninguém me ajudaria. Tinha as asas acorrentadas, para sempre.
Tudo desapareceu. Para quê a força, se nunca voarei? Porque é que eu tinha sonhos, se nunca se tornariam realidade? Porque é que eu gritava, se ninguém me ouvia? Não valia a pena.
Então, as minhas asas mudam de cor. Não são brancas, mas negras.
Olho para as correntes que me prendem à vida que serei forçada a ter, e percebi que queria adormecer.
À medida que o aperto das correntes se intensificava, senti o vento e o cheiro do mar.
O dono da gaiola viu-me, mas soube, horrorizado, que não poderia fazer nada. Corri, abri as minhas asas e voei. Para longe daquela gaiola, que era a minha vida. Pelo céu, sabendo que nunca mais teria de voltar. Era por fim livre!
Texto: Diana Pedro Tavares
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