Top Ad unit 728 × 90


Novidades

recent

Normandia: O Dia D


Operação Neptuno, Batalha da Normandia, Dia D. Foram vários os nomes eternizados pelo dia 6 de Junho de 1944. Verificou-se na altura uma das mais impressionantes invasões da História, que contribuiu decisivamente para o fim do regime nazi e consequente libertação europeia por parte dos Aliados. A história podia, contudo, ter sido outra, não fosse também a 6 de Junho o aniversário de Lucia Maria Mollin.

Texto: Tiago Matos

I

Ao fazer a viagem de volta para a sua Alemanha, no início de Junho de 1944, o Comandante Erwin Johannes Rommel não deixou certamente de se sentir um pouco preocupado. Considerava-se, acima de tudo, um profissional exemplar, e a ideia de montar uma estratégia de guerra – ainda mais tratando-se da protecção da região francesa, de tão vital importância para a continuidade do domínio nazi na Europa – implicava para ele a inequívoca obrigação de não a abandonar, sob quaisquer circunstâncias. Para mais, tinha ainda bem presente o episódio de El Alamein, dois anos antes. Na altura, uma infecção no ouvido levara-o a retirar-se de África por algumas semanas, e bastou esse período para a coligação ítalo-alemã a seu comando perder terreno decisivo para o 8.º Exército Britânico, que acabou por vencer a disputa. Erwin Rommel tinha, portanto, a perfeita consciência de que a sua vida pessoal se devia manter em segundo plano e que a sua liderança e presença em campo era essencial para o sucesso do exército germânico. Ainda assim, deixara-se convencer e levar à promessa de ir festejar a casa o aniversário da esposa.

Lucia Maria Mollin, carinhosamente apelidada de «Lucie», fazia 50 anos no dia 6. Era uma data especial, e ainda que Rommel lhe escrevesse quase todos os dias, achava necessário, desta vez, presenteá-la em pessoa com um belo par de sapatos e um dia que lhe ficasse na memória. Na verdade, mais que uma prova de amor, era uma forma de lhe tentar apaziguar o espírito. Lucie mudara muito ao longo dos anos. A bela e compreensiva mulher com que se casara há 28 anos estava agora cada vez mais exigente e despeitada, ao ponto de se envolver em confusões com consequências na vida profissional de Rommel, como quando brigou com a esposa do General Alfred Gause, um bom estratega afastado da companhia por tão insignificante querela. No seu íntimo, Rommel entendia que o problema de Lucie era a solidão, e quando nem o filho Manfred chegou para a sossegar, compreendeu que seria mesmo necessário marcar presença no seu aniversário, nem que para isso tivesse de abandonar por um par de dias a estratégia armada com tanto aprumo na costa de França.

Tudo indicava, aliás, que Rommel o podia fazer. De Berlim chegava a certeza de que o ataque aliado não se verificaria no futuro próximo. Isto porque o exército alemão já antecipava há muito a invasão por parte dos Aliados, a única questão que motivava alguma discórdia era o local exacto no qual a mesma se iniciaria. Rommel apontava a Normandia como o sítio mais provável; já o seu superior, o marechal Gerd von Rundstedt, mostrava-se convicto de que a ofensiva se verificaria na região de Pas-de-Calais, o ponto francês simultaneamente mais próximo de Grã-Bretanha e Alemanha. Durante algum tempo, os dois militares discutiram (de forma irada) sobre este assunto. Numa primeira fase, Hitler sentiu-se inclinado a concordar com Rommel, mas foi tal a firmeza na confirmação da teoria «Pas-de-Calais» por parte das várias fontes da inteligência alemã que os esforços de guerra acabaram mesmo por ser lá concentrados. Para mais, de modo a evitar futuras disputas entre Rommel e Rundstedt, Hitler colocou-se a si próprio a cargo dos panzers, os famosos tanques de guerra do exército germânico.

Unânime ou não, tinha sido delineado – e disposto em campo – um plano concreto de defesa. Pas-de-Calais estava bem protegida e as condições meteorológicas que se faziam sentir não eram de forma alguma favoráveis a uma invasão. Rommel podia tirar um par de dias em paz e dedicar-se desta feita a uma missão diplomática, procurando evitar outras guerras, de cariz doméstico.

II

A 5 de Junho de 1944, o General americano Dwight D. Eisenhower escreveu num pedaço de papel: «Os nossos avanços na área de Cherbourg-Havre falharam na conquista de um ponto de apoio satisfatório, pelo que decidi retirar as nossas tropas. A minha decisão de atacar nesta data e local foi baseada na melhor informação disponível. O Exército, a Força Aérea e a Marinha fizeram tudo o que a bravura e a devoção ao dever podem fazer. A ser apontada a alguém, a culpa da tentativa é unicamente minha». Em seguida, guardou-o no bolso, para eventualmente o ler mais tarde, em conferência de imprensa, no caso de o desembarque do dia seguinte, na Normandia, se revelasse infrutuoso. Não havia dúvida de que, apesar de todo o trabalho no planeamento do Dia D, Eisenhower se mantinha bastante incerto no seu sucesso.

O Dia D era o dia projectado para o efectivo ataque aos nazis. Na altura, com milhares de espiões alemães espalhados pelo mundo, era necessário tratar tudo com a maior das confidencialidades, e geralmente através de nomes de código. Existiam, por exemplo, a Operação Overlord, que descrevia o plano completo para a recuperação aliada do noroeste europeu, e a Operação Neptuno, que integrava o Dia D e se referia em detalhe à estratégia de desembarque na costa francesa. O mais importante de todos os segredos terá sido, todavia, a Operação Fortitude, uma das maiores campanhas de contra-informação da História.

No início da década de 40, os Aliados estavam cada vez mais frustrados com a competência da inteligência alemã. Muitos planos de guerra deixaram de ter sucesso ou não chegaram sequer a poder ser concretizados, graças às fugas de informação e ao trabalho de espionagem nazi. Decidiram então os Aliados jogar com esse facto. Na tentativa de confundir os alemães e fazê-los concentrar as forças militares no lugar errado, espalharam pelos países neutros (e por alguns agentes identificados) a ideia de que haviam de os invadir através de Pas-de-Calais. Em simultâneo criaram réplicas de aviões, tanques e até de soldados, em madeira e borracha, e posicionaram-nos no Sul de Inglaterra, forçando os alemães a pensar que o ataque viria de lá. Estabeleceram ainda falsas transmissões de rádio, nas quais revelavam esquemas de acção e tácticas a adoptar, na certeza de que seriam interceptadas. Não havia, porém, forma de assegurar que os nazis tinham realmente sido iludidos, pelo que, em último caso, teria de se confiar que a sorte estaria do lado aliado. E a verdade é que esteve.

Vinte e quatro horas antes da invasão, as condições climáticas melhoraram. Na mesma altura, foi transmitida pela BBC uma parte de um poema de Paul Verlaine: «Les sanglots longs des violons de l’automne blessent mon cœur d’une langueur monotone». A mensagem era na verdade um aviso de que o ataque estava prestes a ocorrer, destinado à Resistência francesa. Os oficiais alemães em comando foram informados da ocorrência e colocaram-se, como se exigia, em alerta, mas a ideia geral entre eles era de que Pas-de-Calais estava tão bem protegida que não era sequer necessário avisar Hitler ou Rommel antes que acontecesse, de facto, alguma coisa.

Na madrugada de dia 6, uma armada com mais de 10 mil aviões e 1200 navios, transportando aproximadamente 160 mil soldados originários de Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá apanhou completamente de surpresa o batalhão nazi na Normandia. Nunca antes se vira um tão grande exército num único dia de invasão. Eisenhower podia enfim respirar fundo.

III

Erwin Rommel mal podia acreditar quando lhe comunicaram que o exército alemão estava a ser esmagado na Normandia. Despediu-se apressadamente da família e correu para lá, rezando para que ao menos o Führer se tivesse apercebido a tempo da invasão e os panzers já por lá estivessem. Não estavam. Nesse dia, Hitler apenas acordara ao meio-dia, e quando o informaram da situação, julgou, tal como todos os outros oficiais, que Normandia era apenas uma manobra de distracção dos Aliados para que os alemães enviassem para lá as suas tropas e deixassem Pas-de-Calais desprotegida. Rommel, habitualmente apelidado de «Raposa do Deserto» graças à sua inegável maestria na leitura de estratégias militares, foi o único a perceber de imediato que o verdadeiro ataque já tinha começado.

Ao chegar à Normandia, sentiu a batalha perdida. Os Aliados haviam aproveitado a vantagem numérica para avançar no terreno e os alemães pareciam demasiado confusos para reagir. Rommel entendeu que seria quase impossível dar a volta à situação, mas não se permitiu a baixar os braços. Fez ver a Berlim o que realmente se passava e procurou dar um novo alento aos seus homens, conseguindo, na verdade, equilibrar um pouco mais os confrontos. A 17 de Julho, contudo, o carro no qual se encontrava foi alvo de uma emboscada por parte de um Spitfire britânico. Rommel, gravemente ferido, foi transportado para um hospital francês.

Acordou alguns dias depois. Disseram-lhe que sofrera múltiplas fracturas no crânio e que a guerra tinha terminado para ele. Informaram-no também que enquanto estivera inconsciente Hitler tinha sido alvo de uma tentativa de homicídio. Aparentemente, um coronel de nome Stauffenberg colocara uma bomba numa sala onde o Führer discutia tácticas com outros oficiais. Todos morreram excepto Hitler, que, escudado por uma mesa, se levantou após a explosão e gritou «Eu sou imortal!», iniciando depois uma verdadeira caça às bruxas ao tentar descobrir quem tinha estado por trás da acção, distraindo-se por inteiro da investida aliada na França.

Rommel não ficou surpreendido com a notícia. Há alguns meses tinham-se dirigido a ele para o convencer a juntar-se à conspiração para retirar Hitler do poder. Rommel, que se recusava a assassinar judeus ou civis capturados em guerra, não se opunha à ideia, mas considerava que o homicídio do líder poderia torná-lo um mártir aos olhos do povo, e sugeriu levá-lo antes a julgamento para responder pelos seus crimes. Não voltou a ouvir falar sobre isso. O seu nome ficou, todavia, implicado no processo, e Hitler, cada vez mais paranóico, acabou por o descobrir.

A 14 de Outubro, Rommel recebeu dois generais na sua casa. Disseram-lhe que Hitler tinha um grande apreço por ele e que por isso lhe dava duas opções: ser levado a julgamento e condenado à morte, colocando também a sua família e pessoal militar que lhe fosse próximo num campo de concentração, ou acompanhar os dois oficiais e tomar uma cápsula concentrada de cianeto, evitando consequentes desonras e sendo enterrado com a distinção de herói nacional morto em combate, fruto das lesões sofridas no crânio. Rommel decidiu-se pela segunda hipótese. Despediu-se de Lucie e do seu filho Manfred e saiu. Alguns meses depois, com o suicídio de Hitler e a derrota definitiva da Alemanha na guerra, o «Raposa do Deserto» foi lembrado pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill: «Erwin Rommel merece o nosso respeito. Infelizmente, nas sombrias guerras da democracia moderna, não parece haver lugar para o cavalheirismo».


>>

Normandia: O Dia D Reviewed by Revista 21 on 03:00 Rating: 5

Sem comentários:

");
Todos os direitos reservados por Revista 21 © 2021 - 2022
Design por Sweetheme

Formulário de Contacto

Nome

E-mail *

Mensagem *

Tecnologia do Blogger.