Perfil 21: Gordon Ramsay
É rude, agressivo e uma das mais polémicas personalidades da televisão. Saiba o que faz de Gordon Ramsay um autêntico demónio da cozinha.
Texto: Tiago Matos
Um escocês de gema
Gordon James Ramsay nasceu na Escócia, a 8 de Novembro de 1966. Foi apenas no início da década seguinte que a sua família se mudou para Inglaterra, acompanhando as sucessivas mudanças de emprego do pai.
Um homem violento
Do pai, Gordon não guarda as melhores recordações: «Era um sujeito violento. Batia-nos quando se embebedava. Atirava-nos com coisas. Eu, a minha mãe e os meus três irmãos tínhamos de fugir para nos protegermos. Passámos muitas noites e fins-de-semana escondidos no Departamento de Saúde Britânico. Lembro-me de ser acordado durante a noite com a minha mãe a gritar e a mandar-nos fugir para a rua, para chamar a polícia a partir da casa de um vizinho».
Um homem frustrado
Aos 12 anos, Gordon era já maior e mais forte que o seu pai, mas, apesar disso, nunca tentou ripostar contra os seus ataques de fúria que, segundo Gordon, tinham uma explicação simples: «Era um homem frustrado que vivia através do poder que tinha sobre nós. As tareias tinham um certo travo a inveja, eram um sinal de que se começava a sentir ameaçado pela nossa maturidade».
O sonho do Futebol
Gordon usou antes o físico para se concentrar na sua maior paixão: o futebol. Aos 15 anos, não pensava em outra hipótese que não a de seguir uma carreira profissional de futebolista, especialmente depois de assinar um contrato de formação com o seu clube de eleição, o Glasgow Rangers.
A grande lesão
Evoluindo como defesa, chegou a fazer um par de jogos à experiência pela equipa principal do emblema escocês, antes de surgir a lesão que lhe destruiria o sonho. «Aos 18 anos, e após algumas outras lesões, rompi a cartilagem do joelho num acidente horrível. Foi o suficiente para o impedir de assinar um contrato profissional. O clube ainda se ofereceu para me arranjar uma colocação na terceira divisão, mas não aceitei. Não queria ser o jogador mediano do joelho estropiado. Talvez estivesse amaldiçoado no que diz respeito ao futebol.»
A dor do fracasso
Gordon não reagiu nada bem ao acidente: «Após a dispensa, atingi o fundo. Queimei o meu equipamento para acalmar a dor do fracasso. Estive mesmo em vias de tentar o suicídio. Por fim, acabei por decidir que nunca deixaria nada voltar a derrotar-me. Tinha visto o meu pai agarrar-se, desesperado, a algo que nunca havia de ser, por isso forcei-me a seguir em frente e mudei a minha vida.» É assim que decide virar-se para a cozinha.
A atracção do stress
«Cozinhar é para maricas!» Foi isto que ouviu, vezes sem conta, do seu pai, depois de procurar formação na área da culinária, seguindo um conselho da sua mãe. Ele próprio não tinha, de início, grande interesse na cozinha. Só o descobriu quando percebeu o stress inerente à mesma. «A pressão de fazer um serviço perfeito era tanta que alguns colegas meus quase se refugiavam sob o frigorífico, enquanto outros se erguiam, preparados para a acção. Pareceu-me, de súbito, bastante divertido. Em pouco tempo, estava obcecado. Era o meu escape. Ainda hoje me escondo na comida.»
Primeiros passos
Depois de passar por uma série de restau-rantes de Londres, decidiu encarar o desafio de trabalhar para o temperamental chef Marco Pierre White, dono do Harveys. «Trabalhava 17 horas por dia. Aprendia tudo o que podia com o Marco, ao mesmo tempo que tentava refinar ao máximo o meu paladar. Nunca lhe disse que tinha sido futebolista. Tinha medo que ele me dissesse que tinha sido um futebolista falhado e que agora era um chef falhado. Depois de quase três anos, cansei-me dos ataques de raiva e da violência daquela cozinha e avancei com a minha carreira noutro lugar.» Avançou, mais especificamente, para França, onde aprimorou o seu conhecimento de comida francesa e ganhou confiança para abrir o seu próprio restaurante, quando retornou a Londres, em 1993.
Os problemas legais
É claro que um feitio assim tão complicado já arranjou problemas com a polícia. Em 1994, Gordon e dois outros homens foram acusados de exposição pública indevida após uma brincadeira (enquanto inebriados) na casa-de-banho de uma estação de Londres. Mais tarde, em 2002, foi preso por conduzir alcoolizado. Gordon também já admitiu que, enquanto trabalhou com Marco Pierre White, pagou a um rapaz para roubar o livro de reservas do restaurante, culpando White como forma de se «vingar» do tratamento recebido.
A morte do pai
Enquanto o império de Gordon se expandia, perdeu o pai. «Lamento não ter feito as pazes com ele antes da morte, mas não consegui deixar de lado a quantidade de tempo em que ele prejudicou a minha vida. E, por outro lado, também não queria esfregar-lhe na cara o sucesso que eu ia alcançando.»
Pesos pesados
Em poucos anos, Gordon tinha dezenas de restaurantes em diversos continentes, mais de 20 livros traduzidos para 18 línguas, e alguns contratos televisivos em mãos. Mas o seu bem mais valioso era – e continua a ser – o lote de estrelas Michelin alcançadas (actualmente detém 12). «Essas estrelas combinam-se para formar o título de pesos pesados do meu mundo. Enquanto mantiver o título, vou afastar toda a gente que apareça no meu caminho. E se um dia o perder, desisto da televisão e dos livros para o reaver.»
A televisão
«Tenho um estilo muito assertivo. Ou as pessoas que trabalham para mim acordam e mexem o rabo, ou se pisgam para casa.» Foi este estilo brusco e confrontativo que chamou inicialmente a atenção das estações de televisão britânicas. Em pouco tempo, a personalidade forte de Gordon tornava-se protagonista em programas como The F-Word, Kitchen Nightmares e o mais famoso de todos, posteriormente exportado para os Estados Unidos, Hell’s Kitchen.
A língua da indústria
Em Hell’s Kitchen, Gordon ensina, no seu habitual jeito explosivo e até insultuoso, um lote de aspirantes a chef a gerir um restaurante. «Eu comando a minha cozinha com eles no sítio. Pressão alta, energia elevada e, o mais importante, realidade. É assim que nos mantemos no topo. Eles acham que é tudo muito bonito e querem aparecer na televisão. Não compreendem o longo caminho que têm de percorrer. Por isso tenho de ser agressivo, se quero obter resultados. E praguejar é a língua da indústria.»
Os outros programas
As intervenções televisivas de Gordon estendem-se a vários outros programas televisivos. Actualmente é produtor e jurado da edição americana de MasterChef, e apresentador de Hotel Hell, Hotel GB e Gordon Ramsay’s Ultimate Cookery Course. Como se não bastasse, anunciou no mês passado que se prepara para produzir um drama com o nome The Inferno. Por enquanto, não se conhecem mais detalhes sobre o projecto.
A celebridade
Apesar da fama, Gordon não se considera uma celebridade. «Sou apenas um chef que aparece na televisão. Ser considerado uma celebridade é gozar com o meu trabalho, principalmente numa altura em que quem sai de um qualquer Big Brother se torna famoso. Porque me haverão de comparar com essas pessoas? Sem a televisão sou um chef sério, e na televisão sou um chef a sério.»
O chauvinista
Fora da cozinha, Gordon mantém um estilo de vida relativamente normal. É casado com uma autora de livros de culinária chamada Tana e tem quatro filhos. Em casa há duas regras de ouro. A primeira é que os filhos estão proibidos de ver os programas televisivos do pai. Quanto à segunda: «A Tana tem a sua cozinha e eu tenho a minha, onde não a deixo entrar, já que ela desarruma tudo. Sou bastante chauvinista».
Um animal incrível
Nos tempos livres, Gordon não faz grande coisa. «Nunca leio livros e, com a excepção de jogos de futebol que gravo, raramente vejo televisão.» Mas não se pense que vive sem luxos. «O meu fogão de casa, por exemplo, é uma loucura. Custou-me quase 75 mil euros. A minha mãe tinha um ataque se o soubesse. Tenho de o ligar com um maçarico. É um animal incrível. Também tenho um Ferrari, um Range Rover e um Audi. Mas normalmente não sou de grandes gastos. Preocupo-me o tempo todo que o que alcancei me possa ser retirado. Que não seja para sempre. É algo que me assusta a sério.»
O maior pesadelo
Outra coisa que o assusta tem a ver com as escolhas alimentares dos filhos. «O meu maior pesadelo é que os meus filhos venham ter comigo e me digam que são vegetarianos. Se isso acontecer, lá terei eu de os fazer sentar numa vedação para os electrocutar.»
O segredo
Mas afinal qual é o segredo de Gordon? «Mantenho os meus padrões e procuro incessantemente a perfeição. Recuso-me a ser o segundo melhor. E esse pensamento faz com que seja impossível para mim relaxar. Sobrevivo com apenas quatro horas de sono por noite, por exemplo. No meu mês de férias, costumo correr e nadar durante horas, todos os dias, para que à noite consiga adormecer de cansaço, sem pensar nos meus problemas profissionais.»
Os lambe-botas
Gordon tem a noção que, se não fosse o seu perfeccionismo, seria difícil manter-se no topo. «Muita gente está à espera de me ver falhar. Idiotas invejosos que não trabalharam ao ponto de chegarem ao meu nível. Mas não sou um lambe-botas para ninguém. Nem para críticos, nem para chefs, nem sequer para clientes. Nunca saio da minha cozinha. Acho que um chef não deve apresentar-se na sala de jantar, rígido como uma erecção, enquanto ronda as mesas e aperta as mãos aos clientes, perguntando-lhes se gostaram da refeição. Nunca fiz isso. Não consigo ser bajulador.»
A prova no pudim
E para quando o final? «Sinto que só agora comecei. Não fumo. Não bebo. Sou muito activo, de corpo e mente. Estou no topo e sinto-me cheio de energia. Por quanto tempo o conseguirei aguentar? Esperem para ver. Para mim, a prova está no pudim…»
>>
Perfil 21: Gordon Ramsay Reviewed by Revista 21 on 02:00 Rating:
Sem comentários: