Ágata Carvalho de Pinho: O Violino Elementar
Ágata Carvalho de Pinho foi a grande vencedora do Concurso Novos Autores - Revista 21/Bertrand. O seu trabalho, «O Violino Elementar», foi escolhido por ser um conto que prende da primeira à última linha, surpreendendo pela criatividade e pela simplicidade estrutural. Sendo o protagonista um violino, é de louvar a forma como a autora o torna tão humano, dando em simultâneo a conhecer, de forma clara e bem humorada, o «estranho» mundo que o rodeia. No (literal) golpe final, um persistente e sentido desfecho.
Adquirido na loja da senhora chinesa simpática-mas-cruel-para-com-o-instrumento-que-pousara-de-forma-brusca-em-cima-do-balcão, o violino era de 3/4, indicado para a idade da menina, mas por alguma razão misteriosa obcecado com a resolução de crimes e desgraças. A mãe que o comprara só queria que a filha aprendesse a tocar qualquer coisa de Bach ou de Schubert, para provar talento nos serões em família. A competição era forte: a Isabelinha tinha uma linda voz e compunha no xilofone, o Manuel conseguia resolver problemas matemáticos à velocidade da luz e o Ruizinho já lia qualquer coisa de Tolstói apesar de ainda estar no ciclo. Tocar Bach era o mínimo que ela poderia providenciar, por intermédio da pequena, que assim se emancipava através da forma clássica – o máximo de modernismo que a mãe conseguia conceber.
Mas o violino parecia ter vontade própria e, qual Sherlock Holmes raçado de Edgar Allan Poe, insistia em imaginar pequenas mortes e grandes culpados. Até a respeito da avozinha Mercedes instalou uma suspeita de homicídio, quando a velha mal se conseguia mexer desde que tinha partido a anca. O pequeno modelo Höfner rangia e insistia que todos não passavam de assassinos e impostores – pobre dele a ter que conviver com tais espécimes!
Fosse qual fosse a nota que lhe arrancassem, era sempre dissonante, uma tensão seguida de um desprezo silencioso que aterrorizava e deixava a aprendiz lavada em lágrimas. Seria de stress pós-traumático que ele sofria, por ter sido assim maltratado num negócio? Seria ele demasiado sensível para a vida operacional de um violino? Talvez estivesse para se tornar diabético, por causa do choque. Sabia-se lá quantas vezes a dona da loja o atirara para cima daquele balcão em jogos comerciais que nunca chegaram a concretizar-se.
A menina simpatizara com ele, dissera à mãe que era mesmo aquele que queria, mas ela não sabia. Sabia lá ela quem era Schubert, como dar um si bemol e quantas pessoas ainda teria que impressionar só porque sim. Agora o violino não deixava ninguém dormir, tocava enquanto estavam à mesa, quase podiam apostar que os ofendia a todos em calão de instrumentos de corda. Talvez fosse ele o verdadeiro assassino – da paz de espírito, da união familiar e dos bons modos.
Apesar da madeira de belíssima qualidade e das cordas feitas de crina de cavalo, o péssimo comportamento fazia dele um mau instrumento. Achara-se puro e fora moralista, mas acabou por servir de arma num crime imundo quando, certo dia, o avô Lázaro perdeu a cabeça por não ter par com quem dançar a valsa e, num ataque de fúria para com a avô Mercedes que dele se rira e lhe chamara «velho inútil», agarrou na primeira coisa que tinha à mão e acertou com o violino numa barata, em vez da mulher. Sem dó, Höfner matara qual escritor de ficção e morrera a documentar uma justiça poética digna de orquestra.
Texto: Ágata Carvalho de Pinho
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