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Entrevista 21: Miguel Pinho


Miguel Pinho vai ser realizador, se houver espaço no mercado para ele. O cinema português parece estar a renascer, aos poucos, dando-se a conhecer ao público, trazendo prémios do estrangeiro e lutando contra a maré. Mas como é que um jovem em início de carreira vê o seu futuro? Miguel Pinho, estudante de Cinema e Audiovisual na Escola Superior Artística do Porto, conversou com a 21 e partilhou opiniões, preferências e emoções.

Texto: Luna Santos

O que pensa sobre o desenvolvimento do cinema português?
O cinema português tem vindo a ter uma evolução saudável nos últimos tempos. Prova disso é o crescente número de filmes nacionais a estrear recentemente. Às vezes chegamos a conseguir meses com pelo menos um filme por semana. São sintomas de um possível renascimento do cinema português que não só seria bem-vindo como é necessário que aconteça.

Mas, no entanto, os cortes estatais na cultura, nomeadamente no cinema, são amplamente conhecidos. Enquanto estudante de cinema e futuro realizador, continua a acreditar no cinema português?
Acho que um dos problemas principais do cinema português é a sua dependência de fundos do Estado. Não digo que se deva acabar com essa dependência, muito pelo contrário: o Estado tem a obrigação de apoiar a cultura em todas as suas formas e, por isso, fomentar a criação cinematográfica, mas não deve ser a única fonte de financiamento.
Acho que muitas vezes os realizadores apoiam-se só no Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e no Fundo do Investimento para o Cinema e Audiovisual (FICA) que, já por si, têm uma selecção muito rígida (e por vezes duvidosa). Falta também um interesse por parte das empresas e instituições privadas em apoiar os projectos cinematográficos: existe ainda a ideia de que filme português não dá lucro, por isso não vale a pena apoiar. Não é assim que se deve pensar, porque isso só faz com que menos filmes portugueses sejam feitos, os que são feitos são de fraca qualidade e tudo isto é uma bola de neve.
Infelizmente, ainda há muita coisa a funcionar mal no que toca à produção de cinema português e a culpa não é de um ou de outro, é de todos: do Estado que não apoia muito os novos cineastas, das empresas que não se interessam por este meio (que lhes podia ser muito proveitoso) e dos realizadores que, muitas vezes, não sabem defender o próprio projecto, não sabem transmitir a confiança e, não raras vezes, nem conseguem explicar brevemente em que consiste.
Por isso não é bem uma questão de acreditar ou não no cinema português, mas mais de acreditar que no nosso país se podem fazer grandes filmes ao nível das grandes produções europeias. E acredito que sim. Mas é preciso vontade de todos os lados e uma mudança na mentalidade dos portugueses, não só do espectador, que deve dar uma segunda hipótese ao cinema português, mas também dos cineastas, que não devem fazer os filmes para si próprios, pois não são a audiência. Não quero com isto dizer que se devem fazer filmes a pensar se vai ter sucesso na bilheteira ou não. Apenas deve existir uma abertura dos cineastas para falar honestamente através das obras, sem pretensões nem tiques, para que quem a veja consiga sentir algo. Ninguém conta histórias para si próprio, por isso não vejo o porquê de se fazerem filmes dessa maneira.

O espectador português tem valorizado mais os filmes nacionais?
Parece-me que sim. Nem que seja pela quantidade de filmes nacionais que têm surgido nas salas. Ainda não é o suficiente, mas parece-me que os portugueses têm começado a sentir vontade de ver a nova vaga de filmes portugueses, até porque têm sido bastante badalados lá fora. Vejamos Sangue do meu Sangue, de João Canijo, ou Tabu, de Miguel Gomes: filmes que deram muito que falar. Isso também serve para criar o burburinho que muitas vezes chega para levar as pessoas ao cinema: fala-se dos filmes nos telejornais, os trailers passam nos canais televisivos, os pósteres andam pelas ruas. Isto acontece porque se vai ao encontro do espectador e não o contrário, como aconteceu com José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, ou até Filme do Desassossego, de João Botelho, que andaram numa espécie de tour pelo país, a apresentar os filmes nos auditórios de inúmeras cidades portuguesas.

Ainda assim, nas grandes salas, os filmes comerciais estrangeiros esgotam bilheteiras. Os filmes portugueses, quando passam, são vistos por uma pequena minoria. O que falta para os portugueses valorizarem mais o seu próprio cinema?
Falta confiança e o desmistificar de ideias feitas. Pergunte o que qualquer pessoa na rua acha do cinema português e muito provavelmente vai dizer-lhe que os filmes são aborrecidos, chatos, desinteressantes. É necessário mudar esta mentalidade, e para isso é preciso mostrar que o cinema português renasceu, está diferente, quer ser diferente. Mais do que isso, é preciso mostrar que existe cinema português para toda a gente, apagar essa ideia de que o cinema português é todo intelectual, que não é verdade. O cinema português é variadíssimo, sempre foi. Temos dramas, comédias, filmes de terror, de acção, romances, históricos, documentários, curtas, longas, o que for. Sim, é verdade, há filmes bons e maus, há-os em todo o lado, mas é necessário que os haja para evoluirmos. É preciso ganhar confiança no nosso cinema, mais que não seja porque é nosso e devemos tratar bem o que é nosso. É preciso que os realizadores portugueses sejam ambiciosos, não tenham medo, estejam dispostos a pisar terreno perigoso, porque é lá que as vitórias estão.

O Florbela, que se tornou recentemente no filme português mais visto dos últimos anos, é exemplo disso?
Vicente Alves do Ó é um realizador que conhece bem a audiência o que, por si só, basta para que os filmes tenham o sucesso que têm. O filme Florbela tornou-se no filme português mais visto porque combina acessibilidade com bom gosto. É um filme bonito, simples, com um tema que atrai muita gente. Pode ter todos os defeitos do mundo (e tem muitos, é verdade), mas devemos entender que o espectador comum não quer saber dos detalhes técnicos de um filme, ele quer ver algo que o satisfaça, quer sair da sala de cinema bem disposto e continuar o seu dia.

É caminho a seguir?
O exemplo de Florbela é um caminho a seguir. Não é o único. É um tipo de filme muito bem aceite pelos portugueses, e teve o sucesso que teve também porque aderiu ao modelo de tour nacional, que é uma excelente maneira de passar um filme a toda a gente.

Enquanto futuro realizador, que mensagens pretende fazer passar?
Neste momento ainda é muito cedo para saber que mensagens quero passar. O meu grande objectivo como futuro realizador é ser honesto, contar aquilo que sei e aquilo que sinto. Não quero sequer tocar na presunção e nas ideias feitas, porque isso leva a clichés e a filmes vazios, sem essência. Não é meu desejo agradar a um grupo, quero sim fazer os filmes que gostaria de ver e que gostaria de mostrar. Acredito que tudo isso reside na honestidade. Um filme sincero faz transparecer isso mesmo e o espectador sente tudo verdadeiramente. Quero contar histórias aos ouvidos dos espectadores, um a um, como um sussurro. E o que para muitos poderá ser redutor (só posso fazer filmes de assuntos que conheço bem e com os quais me relaciono), para mim é de uma abertura infinita, pois de uma ideia ou de uma emoção ou de um acontecimento podem-se criar milhões de cenários e de situações diferentes, de personagens novas, que no fundo falam do mesmo, mas de maneiras distintas.

Voltemos à indústria nacional. Quais são, a seu ver, as principais diferenças entre o cinema português e o estrangeiro, nomeadamente o americano e o francês?
O cinema português é muito português, enquanto o americano é americano e o francês é francês. Pode parecer ridículo o que estou a dizer, mas o cinema de cada país é um espelho da sua sociedade e da sua cultura e um Tabu americano não seria o Tabu que Miguel Gomes fez. Um Sangue do meu Sangue francês pouco teria a ver com o que João Canijo fez. E aí reside o cerne da questão: compreendo a vontade de exportar filmes portugueses, mas nunca, nunca se deve fazê-lo tentando imitar o cinema dos outros países, porque simplesmente não se aplica na realidade portuguesa. Os thrillers americanos são muito americanos, e a mais leve tentativa de os replicar em Portugal cai no ridículo com uma facilidade incrível. A cada país o seu cinema. Não recuso influências da maneira de fazer cinema dos outros países, mas a imitação não é um recurso viável quando falamos de uma arte que tem muito de social. E nem falo no facto de o cinema americano e francês serem muito mais desenvolvidos do que o português. Eu vejo nisso uma oportunidade emocionante de experimentar coisas novas, de procurar novos terrenos, de fazer parte da definição das fronteiras do que é o cinema português e, infelizmente, vejo poucos cineastas a aproveitarem esta oportunidade única.

Por falar em influências, que cineasta lhe serve de inspiração?
Tenho três: Lars von Trier, pela falta de medo invejável que tem de se expor completamente em todos os seus filmes e pelo trabalho fantástico na direcção dos actores; Terrence Malick, pela beleza no que mostra, pelo quase hipnotismo nas sequências belíssimas e poéticas que cria, pela força das crenças que mostra nos seus filmes; e finalmente David Fincher, pela destreza e rigor técnico, pelos planos abismais, pela capacidade de ter criado um cinema de autor mainstream americano, pelo carácter único e transparente que mostra nos diferentes filmes.

Neste momento, o Miguel está envolvido no projecto Lázaro, uma curta-metragem que ambiciona gravar num só take, em plano de sequência. Fale-me desse projecto. Como surgiu a ideia?
Começou como projecto a desenvolver numa cadeira do curso, mas logo à partida delineámos que seria algo para levar aos quatro cantos do mundo, caso ficasse algo bom. O argumento nasce daquilo que conheço e que vivi, no entanto não é baseado em factos reais. É ficção, mas peguei naquilo que sei, na minha experiência própria, num sentimento, num acontecimento, e «injectei-o» numa história completamente diferente. A curta-metragem é sobre um actor que, durante uma peça de teatro da qual faz parte, recebe uma chamada da mãe a dizer que o pai está muito mal no hospital. A partir daí, Pedro, o actor, fica abalado com a notícia, quer sair dali, ir ter com o pai, mas sabe que não pode, porque é noite de estreia e tem uma equipa a contar com ele.

É um daqueles casos em que palco e tela se misturam?
Existirá aquela dualidade entre o teatro e a «vida real» de fora do palco, que é objecto principal da história da curta-metragem. O interessante será ver a fusão entre esses dois mundos, quando Pedro já não consegue encarnar verdadeiramente a personagem de Lázaro da peça, por não se conseguir abstrair do telefonema.

Porque optaram por fazer toda a sequência num só take?
A curta assim o permite. No entanto, a razão principal prende-se com a vontade que tenho de realmente transmitir a tensão e a sensação de sufoco que se sente numa situação daquelas, e isso é algo que se consegue transmitir com um plano sequência ininterrupto, com bastante movimento e mudança de sítios, de pessoas, de ambientes. A ideia é imitar o olho humano e aí não há cortes, é um longo plano fluído e que mostra tudo tal como é.

Até onde pretendem levar o projecto? Sempre vão concorrer a festivais?
Claro. É nosso objectivo levar o filme a muitos festivais, pô-lo na boca do mundo e, quem sabe (mas isto é sonho, não me censurem) estreá-lo comercialmente.

Acha que as suas expectativas de trabalho enquanto realizador serão cumpridas?
É o meu primeiro filme. Aliás, meu e de toda a equipa. Há um rigor e profissionalismo que estamos a manter porque queremos mostrar a nossa confiança no projecto. Como realizador, será uma experiência interessantíssima, mas confesso que tenho receio de não estar à altura de um projecto ambicioso como este. Mas há que levantar a cara, encher o peito de ar e levar isto a bom porto, que vai com certeza. Dizer que «isto está mau» não me interessa e não vejo proveito nenhum. Vou lutar para conseguir fazer os filmes que quero e para provar que sou alguém em quem vale a pena investir.
Mas, no fundo, apesar de todos aqueles sonhos de prémios e sucesso na crítica e nas bilheteiras, o que quero é manter-me igual a mim mesmo. Que daqui a muitos anos, quando estiver a realizar o meu próximo filme (próximo numa longa lista de sucessos), consiga olhar para trás e sentir o orgulho de ter sido sempre honesto e sincero naquilo que disse e mostrei, que todo o meu percurso filmográfico seja a minha autobiografia por excelência.


Artigo publicado na edição #10 da Revista 21
Entrevista 21: Miguel Pinho Reviewed by Revista 21 on 01:30 Rating: 5

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